Tempo de tela e consumo de alimentos entre adultos brasileiros

Alimentos Ultraprocessados e Câncer relacionado à Obesidade
17 de junho de 2025

O tempo de tela, que envolve atividades como assistir televisão (TV) e usar tablets, celulares, videogames e computadores (dispositivos eletrônicos), e sua relação com o consumo alimentar vem sendo objeto de estudo de pesquisadores do mundo todo e o principal comportamento sedentário analisado têm sido o tempo prolongado assistindo TV. No entanto, sabe-se que o tempo de tela em outros dispositivos eletrônicos tem aumentado consideravelmente ao longo dos anos.

Embora alguns estudos tenham avaliado a transição da exposição prolongada de TV para outros dispositivos eletrônicos, principalmente entre crianças e adolescentes, ainda é necessário compreender a relação entre diferentes tipos de tempo de tela e o consumo alimentar de adultos. Além disso, estudos anteriores avaliaram a associação entre o tempo de tela e indicadores específicos de consumo de alimentos, como frutas, hortaliças e bebidas adoçadas, abordagem que não considera padrões alimentares.

Nesse contexto, um estudo teve como objetivo investigar a relação entre a exposição prolongada ao tempo de tela no lazer (utilização de diferentes tipos de telas — TV, computador, celular e tablet) e indicadores de consumo alimentar saudável e não saudável. Realizou-se um estudo transversal com dados da Pesquisa Nacional de Saúde (PNS) realizada no Brasil em 2019. Foram utilizados dados de uma subamostra de 88.531 adultos (≥18 anos).

A exposição prolongada à tela (≥ 3 h/dia) durante o lazer foi investigada em três dimensões: tempo gasto assistindo TV por dia; tempo gasto usando computador, celular e/ou tablet (dispositivos eletrônicos) por dia; e exposição à TV e/ou dispositivos eletrônicos. O consumo alimentar foi caracterizado por dois indicadores de qualidade validados, um sintetizando o consumo de alimentos saudáveis ​​(baseado no consumo de alimentos in natura ou minimamente processados) e o outro, o consumo de alimentos não saudáveis ​​(baseado no consumo de alimentos ultraprocessados), a partir de um recordatório alimentar não quantitativo de 24 horas pré-estabelecido.

O escore de consumo alimentar saudável foi calculado somando-se as respostas “sim” aos grupos de alimentos in natura ou minimamente processados, que podem variar de zero a sete no dia anterior à entrevista. Posteriormente, o escore foi dicotomizado, tendo como ponto de corte o consumo de cinco ou mais itens. Para o escore de consumo de alimentos não saudáveis a soma das respostas “sim” para o consumo de alimentos ultraprocessados ​​pode variar de zero a dez, no dia anterior à entrevista. Esse escore também foi organizado de forma dicotomizada, com base nas respostas “sim” para o consumo de cinco ou mais itens.

Também foram incluídas nas análises variáveis sociodemográficas como sexo, faixa etária, anos de estudo, renda, raça/cor da pele e estado de saúde (estado nutricional, doença crônica não transmissível – DCNT – e autoavaliação de saúde). O estado nutricional foi identificado pelo índice de massa corporal (IMC) calculado com base no peso e altura autorreferidos, de acordo com o ponto de corte recomendado pela Organização Mundial da Saúde (OMS). Modelos de regressão de Poisson foram utilizados para calcular razões de prevalência (brutas e ajustadas – RPa) por fatores sociodemográficos e fatores de saúde, para avaliar a associação entre tempo prolongado de tela e indicadores de consumo alimentar.

A população do estudo foi composta majoritariamente por mulheres (53,2%) e indivíduos pretos ou pardos (55,3%). Pouco mais de um terço da população estudada tinha entre 35 e 54 anos (38,0%), e quase metade tinha até 8 anos de estudo (49,2%) e renda familiar per capita inferior a 1 SM (47,5%). Mais da metade da população estudada apresentava excesso de peso (36,6% com pré-obesidade e 22,0% com obesidade), e mais de um terço apresentava pelo menos uma DCNT (37,5%). Apenas 5,8% avaliaram sua saúde negativamente.

Cerca de um em cada três indivíduos (37,4%) passava três horas ou mais por dia em atividades de lazer em frente às telas. A prevalência de tempo prolongado de tela foi de 21,8% para TV e 22,2% para outros dispositivos eletrônicos. Assistir TV por tempo prolongado foi mais frequente entre mulheres, entre as faixas etárias mais velhas (65 anos ou mais) e entre aqueles com 0 a 8 anos de escolaridade. Já no caso do uso prolongado de dispositivos eletrônicos, as maiores frequências foram encontradas nas faixas etárias mais jovens (18 a 24 anos, diminuindo gradativamente com o aumento da idade) e entre aqueles com 9 a 11 anos de escolaridade.

Quase um em cada quatro indivíduos (23,7%) relatou consumir cinco ou mais grupos de alimentos saudáveis ​​no dia anterior à entrevista, enquanto 14,3% relataram consumir cinco ou mais grupos de alimentos não saudáveis ​​no dia anterior à entrevista. Essa frequência aumentou com a idade, o oposto foi observado para o indicador de consumo de alimentos não saudáveis, em que a frequência diminuiu com a idade. Escolaridade e renda também foram diretamente associadas à frequência de consumo de alimentos saudáveis.

O tempo prolongado de tela foi associado a uma dieta não saudável, devido tanto ao maior consumo de alimentos não saudáveis ​​(RPa = 1,35 para TV, PRa = 1,21 para dispositivos eletrônicos e PRa = 1,32 para ambos os tipos) quanto ao menor consumo de alimentos saudáveis ​​(RPa = 0,88 para TV, PRa = 0,86 para dispositivos eletrônicos e PRa = 0,86 para ambos).

Os resultados do estudo têm importantes implicações para a saúde pública, pois mostraram uma associação entre o tempo prolongado de tela no lazer (TV e dispositivos eletrônicos) e o consumo alimentar (alimentos saudáveis ​​e não saudáveis) na população brasileira. O maior tempo de tela no lazer foi negativamente associado ao consumo de alimentos saudáveis ​​e positivamente associado ao consumo de alimentos não saudáveis. Além disso, a identificação de grupos de risco específicos, como mulheres, idosos e indivíduos com menores níveis de educação e renda, que são mais propensos a usar telas por um longo tempo e, portanto, podem desenvolver hábitos alimentares inadequados, é essencial para monitorar grupos de risco para DCNT e seus fatores de risco no país.

O impacto negativo do tempo prolongado de tela na qualidade da dieta destaca a importância de intervenções e políticas públicas que incentivem a redução do tempo de tela como uma estratégia para melhorar os padrões alimentares e consequentemente a saúde da população.

 

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