Experiências adversas na infância envolvem situações potencialmente traumáticas, como abuso físico, psicológico e sexual; negligência; doença mental parental; escassez de recursos; e violência familiar. Vivenciar esse tipo de adversidade durante a infância pode impactar o desenvolvimento parental, mas também ser passado para os filhos.
Estudos que acompanham a trajetória de crianças brasileiras, têm observado um aumento na prevalência de excesso de peso e obesidade, sendo a alimentação inadequada o principal fator de risco. O consumo de alimentos ultraprocessados, assim como o uso precoce de fórmulas infantis, está associado ao ganho acelerado de peso. Esse ganho excessivo durante a primeira infância pode contribuir para o desenvolvimento de doenças crônicas na idade adulta e influenciar negativamente o neurodesenvolvimento, aumentando o risco de transtornos neuropsiquiátricos ao longo da vida.
Além disso, o estresse materno pode interferir no desenvolvimento pré e pós-natal. Estudos indicam que filhos de mães que vivenciaram níveis elevados de estresse ou ansiedade durante a gestação apresentam maior ganho de peso e um aumento na circunferência da cabeça. Também foi observado que um risco aumentado de transmissão intergeracional do trauma nessas situações. No contexto brasileiro, os fatores socioeconômicos e raciais desempenham um papel importante na ocorrência de adversidades maternas.
Diante disso, este estudo teve como objetivo avaliar se as experiências adversas maternas na infância estão associadas ao ganho de peso dos filhos nos primeiros 2 meses de vida e se tal associação depende do sexo dos filhos.
Como critério para participar do estudo, as gestantes deveriam residir em ambientes de alto risco e poucos recursos nas cidades de Guarulhos e São Paulo; ser usuária do Sistema Único de Saúde (SUS); ter entre 18 e 38 anos de idade; estar entre 25 e 39 semanas gestacional; e ser capaz de ler e compreender o termo de consentimento livre e esclarecido.
No momento do recrutamento das participantes, aplicou-se um questionário para coleta de dados referente a raça materna e a raça do filho, escolaridade e nível socioeconômico. Realizou-se medidas antropométricas (como medição do comprimento, medição do peso corporal e da circunferência da cabeça dos filhos) em três momentos: após o nascimento, imediatamente após a alta da maternidade e durante as primeiras 2 a 8 semanas de vida.
A partir dos prontuários hospitalares, foram coletadas informações sobre o nascimento e a alta hospitalar dos filhos, idade gestacional, peso ao nascer, comprimento, perímetro cefálico e escore de APGAR. Dados sobre o tipo de alimentação (amamentação, fórmula infantil ou alimentação mista) foram coletados por meio de entrevistas maternas durante a avaliação pediátrica realizada entre 2 e 8 semanas de vida.
Foram incluídas 352 díades mãe-filho, sendo gestantes com gestações de baixo risco, com e sem experiências de adversidades na infância, e seus descendentes. Dos 352 recém-nascidos a termo, 175 eram meninos. A idade média das mães foi de 27,24 anos, 34,90% eram brancas e 39,80% multiracial.
As análises completas, realizadas para 320 recém-nascidos, identificaram que um maior número de experiências adversas maternas na infância estava associado a um maior aumento no ganho de peso dos filhos (1,19 g/dia). No geral, os meninos ganharam uma média de 4,98 g/dia a mais do que as meninas.
A associação entre experiências adversas maternas na infância e ganho de peso dos filhos foi positiva apenas entre os meninos, mostrando que, dependendo do sexo, quanto maior o número de experiências adversas maternas, maior é o ganho de peso. Se a pontuação de experiências adversas maternas aumentar em 1 ponto (por exemplo, de 0 para 1), o ganho de peso aumentaria em 1,8 g/dia. No entanto, entre as descendentes femininas, o efeito da interação não foi significativo.
Este estudo mostra que a associação entre experiências adversas na infância e o ganho de peso dos filhos durante os primeiros dois meses de vida em uma população miscigenada de um país de baixa e média renda está condicionada ao sexo dos filhos, com os meninos apresentando maior ganho de peso diário nesse contexto. Além disso, reforça que os filhos que receberam alimentação mista apresentaram menor ganho de peso do que aqueles alimentados por um único método. Esses resultados acendem um alerta para o potencial aumento no risco de obesidade futura.