Prevalência de excesso de peso em lactantes e pré-escolares do Programa Bolsa Família no Brasil
Estudos de tendência usando dados secundários dos inquéritos nacionais de saúde materno-infantil no Brasil evidenciam uma redução de 2,5% na prevalência de excesso de peso em lactentes no período entre 1989 e 2006. Por outro lado, ao se tratar do grupo pré-escolar, a prevalência aumentou de 3,0% para 7,8% no mesmo período.
Até 2021, quando começou a divulgação dos resultados do Estudo Nacional de Alimentação e Nutrição Infantil, realizado em 2019-2020, os últimos dados nacionais sobre saúde da criança brasileira se referiam à Pesquisa Nacional de Demografia e Saúde da Criança e da Mulher de 2006/2007 (PNDS), o que indica a lacuna no conhecimento sobre o atual panorama da obesidade infantil no país. Apesar da escassez de dados populacionais, o Brasil possui o Sistema de Vigilância Alimentar e Nutricional (SISVAN), que tem como finalidade a coleta de informações da população atendida pela Atenção Primária à Saúde, provenientes de registros antropométricos e de marcadores de consumo alimentar.
O SISVAN permite a estratificação dos dados coletados por fases da vida e o acesso a informações sobre as crianças beneficiárias do Programa Bolsa Família (PBF), consideradas em condição de elevada vulnerabilidade social. Este programa federal de transferência condicionada de renda foi criado em 2003 com o objetivo de reduzir a pobreza e aumentar o acesso aos serviços de saúde, educação e assistência social.
Um estudo publicado em janeiro de 2022 teve como objetivo avaliar a tendência temporal do excesso de peso e a cobertura do acompanhamento do estado nutricional de lactentes (0-23 meses) e pré-escolares (24-59 meses) assistidos pelo PBF, no Brasil e macrorregiões, de 2008 a 2018.
Escore-Z do índice de peso por idade utilizado para identificação de excesso de peso
Trata-se de série temporal de 2008 a 2018 sobre a prevalência de excesso de peso em lactentes e pré-escolares brasileiros em situação de elevada vulnerabilidade socioeconômica, assistidos pelo PBF. Os dados foram extraídos da base de dados do SISVAN-Web por meio dos relatórios anuais de estado nutricional das crianças registradas no PBF e desagregados por faixa etária (em meses), sexo e região de residência.
O desfecho utilizado foi a prevalência de excesso de peso, definido através do escore-Z do índice de peso por idade (zPI)>+2DP, considerado de mais simples aferição que os demais índices, tendo também como referência as Curvas de Crescimento da OMS.
A série temporal da prevalência de excesso de peso teve recortes por faixa etária e regiões do Brasil
A série temporal da prevalência de excesso de peso específica para faixa etária e região foi analisada por meio de modelos estatísticos que permitem a identificação de inflexões, sinalizando mudanças na direção de tendências.
A cobertura do indicador de peso por idade para o total de crianças do PBF foi calculada por meio dos relatórios do Departamento da Atenção Básica do Ministério da Saúde. O cálculo da cobertura dos pré-escolares foi subestimado, uma vez que foi feita a subtração do número de crianças com idade entre 0-7 anos pelo número de crianças de 0-2 anos (pois as faixas etárias usadas pelo PBF e SISVAN são diferentes).
Para que houvesse representatividade nacional dos dados em 2018, foi estimada a proporção de crianças do PBF no SISVAN, em relação ao Censo 2010 e à projeção da população em 2018 pelo IBGE.
As crianças assistidas pelo PBF e acompanhadas pelo SISVAN representam cerca de ¼ da população brasileira de 0 a 5 anos de idade
O estudo identificou 574.993 avaliações de lactentes e 2.204.471, de pré-escolares entre 2008 e 2018.
À época, cerca de ¾ do grupo de lactentes tiveram seu peso monitorado. Em 2012, com a migração da plataforma de abastecimento dos registros do SISVAN, houve uma redução nos dados de cobertura.
As crianças assistidas pelo PBF e acompanhadas pelo SISVAN representavam cerca de ¼ da população brasileira de 0 a 5 anos de idade, concentradas principalmente nas regiões Norte (lactentes=22,3%, pré-escolares=45,6%) e Nordeste (lactentes=27,9%, pré-escolares=49,4%).
No Centro-Oeste foi observada tendência de redução significativa na prevalência de excesso de peso , entre os anos 2008 e 2016. No que tange à variação anual do excesso de peso, apenas no Norte e no Nordeste não foi observada tendência de redução na prevalência do excesso de peso. Os pré-escolares do Norte apresentaram a menor prevalência de excesso de peso em toda a série histórica, correspondendo à região que manteve a menor prevalência de excesso de peso, ao passo que o Nordeste exibiu maior prevalência.
Estudo encontrou maior prevalência de excesso de peso em lactentes em situação de vulnerabilidade
Os dados do SISVAN de 2008 mostram que a prevalência de excesso de peso era maior em lactentes em situação de vulnerabilidade.
Embora não estejam no mesmo patamar de países como os EUA, as estimativas nacionais indicam que a prevalência de excesso de peso entre as crianças assistidas pelo PBF estão acima da mundial, suscitando a necessidade da abordagem dos determinantes sociais no enfrentamento da obesidade infantil.
Dado este cenário, seria interessante que futuros estudos buscassem entender as tendências a partir de uma perspectiva sistêmica, observando panoramas econômicos, políticos e voltados para os sistemas alimentares nacionais. O SISVAN é um instrumento de fundamental importância para a gestão da Política Nacional de Alimentação e Nutrição (PNAN) no Brasil, tendo como principal desafio a ampliação da cobertura do estado nutricional de crianças acompanhadas na Atenção Primária à Saúde, cuja cobertura em 2018, para menores de cinco anos, foi de apenas 3,2%.