Artigo “Alimentos ultraprocessados e transição nutricional: tendências globais, regionais e nacionais, transformações dos sistemas alimentares e impulsionadores da economia política”

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Tendo como premissa que a alimentação humana está se tornando cada vez mais processada, com consequências importantes para a nutrição global, a saúde pública e o meio ambiente, se torna essencial compreender os impulsionadores e a dinâmica do consumo global de alimentos ultraprocessados.

Uma revisão publicada em 2020 procurou responder a perguntas como: “Em que medida o crescimento nos mercados de alimentos ultraprocessados se manteve, acelerou ou diminuiu nas últimas décadas globalmente, em todas as regiões e países, e entre quais categorias de produtos? Quais são as contribuições de alimentos ultraprocessados como ‘vetores’ para ingredientes industriais ligados à obesidade e às doenças crônicas não transmissíveis (DCNT) relacionadas à dieta, incluindo adoçantes, óleos e gorduras, sódio e aditivos? Todas as regiões e países passaram por uma transição semelhante para dietas mais ultraprocessadas ou há transições com diferenças substanciais entre os países? Se exisitirem diferenças entre países semelhantes, quais sistemas alimentares e fatores de economia política podem explicar as tendências e variações observadas?”.

Embora vários esquemas para categorizar alimentos de acordo com seu processamento tenham sido propostos, a classificação NOVA, desenvolvida por Monteiro e colaboradores, tornou-se o sistema mais amplamente utilizado em pesquisas e políticas. Este distingue quatro categorias de alimentos: alimentos não processados (in natura) ​​e minimamente processados, ingredientes culinários processados, alimentos processados e alimentos ultraprocessados.

Por volta de 1950, os alimentos ultraprocessados tornaram-se uma fonte significativa, e em alguns casos a principal, de energia em países de alta renda, como os Estados Unidos, Canadá, Reino Unido e Austrália. Contudo, estes alimentos só se tornaram disponíveis em uma escala verdadeiramente global durante a era atual (após 1970), caracterizada pela globalização dos sistemas alimentares.

Os alimentos ultraprocessados desempenharam um papel fundamental na ‘transição nutricional’ em andamento em países de baixa e média renda, envolvendo uma mudança das dietas tradicionais para aquelas promotoras de obesidade e de DCNT relacionadas à dieta.

Considerando este cenário, a presente revisão foi feita em duas etapas. Primeiro, foram quantificados os volumes per capita anuais e as tendências nas vendas de alimentos ultraprocessados e de ingredientes industriais (adoçantes, gorduras, sódio e aditivos cosméticos) utilizados na formulação desses alimentos, em países classificados por renda e região. Em segundo lugar, foi feita uma revisão da literatura sobre sistemas alimentares e fatores de economia política que pudessem explicar as mudanças observadas.

Foram encontradas evidências de uma expansão substancial em tipos e quantidades de alimentos ultraprocessados vendidos em todo o mundo, representando uma transição para uma dieta global mais processada, mas com grandes variações entre regiões e países. À medida que os países ficam mais ricos, volumes maiores e uma variedade mais ampla de alimentos ultraprocessados são vendidos. As vendas são mais altas na Australásia (região que inclui Austrália, Nova Zelândia, Nova Guiné e algumas ilhas menores da parte oriental da Indonésia), na América do Norte, na Europa e na América Latina, mas vem crescendo rapidamente na Ásia, no Oriente Médio e na África. Esse processo está intimamente ligado à industrialização dos sistemas alimentares, às mudanças tecnológicas e à globalização, incluindo o crescimento do mercado e das atividades políticas das empresas transnacionais de alimentos e  também a poucas políticas para proteger a saúde e nutrição das pessoas nesses novos contextos.

O crescimento dos mercados de alimentos ultraprocessados está intimamente ligado à produção em massa de commodities agrícolas (como milho e soja, que são matéria-primas para a produção de alimentos ultraprocessados e de rações animais, por exemplo) e sua conversão em uma gama diversificada de ingredientes baratos. Na era atual de liberalização do comércio e do investimento, esses ingredientes industriais fluem por meio de redes de fornecimento, produção e distribuição de empresas globalmente integradas, tornando os alimentos ultraprocessados disponíveis em uma escala verdadeiramente global. Essas transições de processamento de alimentos também estão intimamente ligadas a mudanças transformadoras em andamento no varejo de alimentos, especialmente o crescimento de redes varejistas “modernas”, bem como ao uso intensivo de técnicas sofisticadas de marketing. O surgimento de novas tecnologias de marketing digital é um tópico crucial para investigação contínua.

Embora tenha havido algum progresso recente, as ações políticas e regulatórias são fracas em muitos países, com uma inclinação para intervenções relacionadas a estilo de vida e comportamento dos indivíduos, em detrimento daquelas voltadas para as práticas comerciais da indústria de alimentos ultraprocessados. Evidências substanciais mostram que essa indústria vem impedindo o compromisso político para uma ação regulatória forte.

A escala das mudanças nutricionais em andamento, especialmente em países altamente populosos de renda média, levanta sérias preocupações para a saúde global, incluindo o crescimento do mercado e das atividades políticas das empresas transnacionais de alimentos e políticas inadequadas para proteger a saúde e nutrição global nesses novos contextos.

O artigo conclui que estes achados sugerem que a adoção de uma abordagem que combine sistemas alimentares e pensamento de economia política é vital para compreender os determinantes da mudança alimentar global e para apoiar futuras respostas da política nutricional. Dadas as evidências que surgem rapidamente sobre os resultados adversos para a saúde associados à exposição a alimentos ultraprocessados e a escala de mudança em andamento, é crucial incidir para minimizar as implicações dessas transformações para a nutrição global e para a saúde pública.

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