Artigo “Estrutura e adequação dos processos de trabalho no cuidado à obesidade na Atenção Básica brasileira ”

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A Atenção Básica (AB) é um espaço estratégico para o cuidado da obesidade em função da sua alta capilaridade e maior proximidade com os indivíduos e famílias em seu contexto social. Além de organizar o cuidado, também cabem à AB algumas atribuições na prevenção e tratamento do sobrepeso e obesidade das pessoas com doenças crônicas na Rede de Atenção à Saúde (RAS), como: acolhimento adequado, Vigilância Alimentar e Nutricional (VAN), ações de prevenção e promoção da saúde, apoio ao autocuidado e assistência terapêutica multiprofissional inclusive no pós-operatório tardio para tratamento de obesidade.

Com o objetivo de monitorar as condições de acesso e de qualidade das unidades e equipes de saúde, foi implantado o Programa Nacional de Melhoria do Acesso e da Qualidade da Atenção Básica (PMAQ-AB), conduzido pelo Ministério da Saúde em parceria com universidades brasileiras. Este programa inclui o levantamento de informações dos municípios e das equipes de AB participantes por meio de visita da equipe de avaliação externa e certificação.

Para garantir a configuração de um modelo assistencial efetivo, de qualidade, integral e voltado para o planejamento territorial com base nos determinantes de saúde e no quadro demográfico e epidemiológico da população, é essencial um adequado processo de trabalho das equipes e estruturação das Unidades Básicas de Saúde (UBS). Neste sentido, um artigo publicado em 2020, teve como objetivo analisar a disponibilidade de estrutura e adequação dos processos de trabalho no cuidado à obesidade na AB no Brasil e regiões, a partir dos dados secundários do componente da avaliação externa disponíveis no PMAQ-AB, ciclo 2, realizado no período de 2013 e 2014.

A partir da leitura de alguns documentos de referência para o cuidado em obesidade, foram identificadas dimensões e subdimensões dos processos de trabalho a serem desenvolvidos na AB e aspectos de estrutura nas UBS a eles relacionadas. Dentre as dimensões, definiu-se: 1. Vigilância Alimentar e Nutricional; 2. Coordenação do cuidado e assistência; 3. Ações de promoção e educação em saúde. A partir delas, foram descritos os resultados deste estudo.

Para avaliar a disponibilidade, foram selecionadas as variáveis relacionadas aos equipamentos, materiais e insumos previstos como necessários para o cuidado da obesidade nas UBS, utilizando como parâmetro a presença de 100% da variável analisada. Para a perspectiva de adequação dos processos de trabalho, foram selecionadas variáveis presentes que refletissem o cuidado da obesidade desenvolvidos pelos profissionais das UBS.

Para a dimensão “Vigilância Alimentar e Nutricional”, no que se refere à disponibilidade, foi identificada a presença de balanças de três tipos: infantil, com capacidade até 150kg e até 200kg. Neste item, nenhuma região apresentou 100% de disponibilidade. Com relação à balança infantil, registra-se sua existência em 92,9% das UBS respondentes, com destaque para a região Sul, que chega a 97,4%. Em contrapartida, a existência de régua antropométrica, também essencial para diagnóstico nutricional na infância, foi registrada em apenas 88,9% das UBS, com destaque para a região Norte, que não possui o instrumento em 30,4% de suas UBS. As balanças de 150kg estão presentes em 83,4% das UBS brasileiras, sendo que no Nordeste chega a 88,3%. Já no caso das balanças de 200kg, apenas 23,1% das UBS a possuem. Em relação à fita métrica, utilizada para medição das circunferências, possui alta disponibilidade em todas as regiões. Os autores discutem que tal perfil de cobertura de instrumentos para avaliação antropométrica infantil poderia ser considerado condizente a contextos de alta prevalência de desnutrição infantil, mas é incoerente com o atual cenário de aumento da obesidade, sobretudo em adolescentes e adultos.

No tocante à adequação, ainda são muitos os desafios, uma vez que os registros de obesidade nos territórios são realizados por apenas 36,4% das equipes no Brasil, e na região Norte são realizados por apenas 9,1% das equipes. A avaliação nutricional foi realizada por somente 64,1% das equipes no Brasil e ao contrário da avaliação antropométrica, a avaliação do consumo alimentar tem menor tradição nos serviços de saúde. Ressalta-se ainda que, 319 UBS no país (1,1%) não realizam nenhum tipo de mensuração de peso e altura, 3.993 (16,6%) não possuem balança de 150kg e 18.487 (76,9%) não possuem balança de 200kg.

Na dimensão “Coordenação do cuidado e assistência”, observou-se alta disponibilidade de exames solicitados e realizados pela rede de saúde, assim como de equipamentos e insumos (aparelhos de pressão, glicosímetro, tiras de reagente de medida de glicemia capilar). Quando verificada a oferta de ações para a obesidade, cerca de 42,9% das equipes no País não realizam essas ações, 53,7% das equipes não realizam consultas para indivíduos com obesidade e 64,1% não programam a agenda de acordo com a classificação de risco para obesidade. Em relação à coordenação do cuidado, 61% das equipes não mantêm o registro dos usuários com obesidade encaminhados para outros pontos de atenção à saúde, embora 77,9% das equipes relatem o encaminhamento dos mesmos para serviços especializados. O conjunto desses dados sugere uma fragilidade no acompanhamento dos usuários, comprometendo, assim, a longitudinalidade e a coordenação do cuidado.

Por fim, na dimensão “Ações de promoção e educação em saúde”, no que se refere às ações educativas e promoção da saúde em ‘alimentação saudável’ e ‘apoio ao cuidado para doenças crônicas’, aproximadamente 30% das equipes não abordam tais temas. Quanto ao incentivo e desenvolvimento nas UBS ou território de ‘práticas corporais’ e ‘atividade física’, respectivamente, 53,9% e 29,9% das equipes não realizam estas atividades. Sobre as atividades intersetoriais desenvolvidas por meio da ação da Estratégia Saúde da Família e Programa Saúde na Escola, 19,7% das equipes não desenvolvem atividades de Segurança Alimentar e Nutricional e 41,3% das equipes não promovem atividades de práticas corporais e atividade física nas escolas.

A análise dos dados do PMAQ-AB demonstra que a disponibilidade de estrutura (equipamentos, materiais e insumos) nas UBS observadas é capaz de sustentar ações de cuidado à obesidade, entretanto, sugere a necessidade de aprimorar os processos de trabalho no sentido de qualificar a atuação das equipes no que se refere à coordenação e garantia da longitudinalidade do cuidado integral dos indivíduos com sobrepeso e obesidade.

 

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