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Ambientes alimentares são definidos como o conjunto de ambientes físico, econômico, político e sociocultural que influenciam as escolhas alimentares e o estado nutricional dos indivíduos. Eles funcionam como uma ponte entre o sistema alimentar – cadeias de abastecimento, processamento e distribuição/comercialização de alimentos – e as escolhas alimentares das pessoas.

A região da América Latina é formada por 33 países, onde vivem 650 milhões de pessoas. A maioria dos países latino-americanos está bem encaminhada na transição nutricional e enfrenta uma grande carga para a saúde pública devido ao aumento da obesidade e de doenças crônicas relacionadas, que podem ter como um de seus determinantes os ambientes alimentares destas regiões.

Neste contexto, um estudo realizou uma revisão sistemática de literatura da América Latina que (i) descreve o ambiente alimentar e as políticas voltadas para o ambiente alimentar na região; e (ii) estudos analíticos que investigaram associações entre as políticas voltadas para o ambiente alimentar e comportamentos alimentares, sobrepeso/obesidade e doenças crônicas relacionadas à obesidade. O estudo focou em seis dimensões do ambiente alimentar abordadas pela Rede Internacional para Pesquisa, Monitoramento e Apoio à Ação em Alimentos e Obesidade / doenças não transmissíveis (International Network for Food and Obesity / Non-communicable Diseases (NCDs) Research, Monitoring and Action Support – INFORMAS): varejo, oferta, rotulagem, marketing, preço e composição. Essas dimensões influenciam de forma independente os comportamentos alimentares, o peso corporal e os desfechos em saúde e são passíveis de intervenção por meio de políticas de promoção da saúde.

Para a revisão sistemática, foram pesquisadas três bases de dados (Web of Science, SciELO, LILACS), considerando o período de 1º de janeiro de 1999 a julho de 2017. Dois autores selecionaram os estudos independentemente. Uma síntese narrativa foi empregada para resumir, integrar e interpretar os resultados. A busca resultou em 2.695 artigos, dos quais 84 preencheram os critérios de inclusão.

A maioria dos trabalhos incluídos eram estudos descritivos (72,3%), produzidos no Brasil (61,4%), seguido do México (18,1%) e da Guatemala (6,0%). Os estudos focavam principalmente no varejo de alimentos (32,1%), marketing (19,0%) e rotulagem (17,9%). O número de artigos publicados sobre este tópico aumentou gradualmente ao longo do tempo, mais da metade dos estudos identificados (n=47) foi publicada entre 2014 e 2017 e a maioria dos estudos (77,4%) focou em áreas urbanas.

Associações consistentes entre a disponibilidade de estabelecimentos que comercializavam  frutas e hortaliças e maior consumo destes alimentos foram encontradas em estudos transversais. Embora estudo mais robustos sejam necessários para confirmar esta associação (ou seja, estudos longitudinais), essas descobertas podem representar uma oportunidade para promoção de saúde. Políticas que apoiam a presença de estabelecimentos especializados em frutas e hortaliças podem contribuir para a melhoria da qualidade da dieta.

Quanto à rotulagem, o impacto dos rótulos nas escolhas dos alimentos depende do design e da habilidade de interpretar o rótulo. As alegações de saúde nas embalagens de alimentos eram frequentes e, em sua maioria, enganosas.

Houve uso generalizado de estratégias de marketing para alimentos não saudáveis ​​voltados para crianças e os resultados encontrados sugerem que os governos não tomaram as medidas necessárias para proteger as crianças do impacto prejudicial do marketing de alimentos não saudáveis ​​e que os códigos voluntários adotados pela indústria de alimentos não foram eficazes.

Dez estudos exploraram o preço dos alimentos. Dois destes sugeriram um preço relativo mais alto de alimentos processados ​​e ultraprocessados ​​em comparação com produtos secos mais saudáveis ​​(por exemplo, feijão, arroz), no entanto, os alimentos frescos (por exemplo, frutas, hortaliças e carne) eram mais caros do que os alimentos processados e os alimentos preparados feitos com ingredientes processados ​​eram mais baratos do que itens semelhantes feitos com ingredientes não processados. Além disso, uma análise das tendências de preços ao longo de 60 anos encontrou um aumento relativo nos preços de frutas e hortaliças frescas e uma diminuição relativa nos preços de açúcares/doces e alimentos ultraprocessados. Os três estudos analíticos nesta dimensão foram do México e exploraram o efeito do imposto sobre bebidas açucaradas. Estes mostraram que o imposto (imposto especial de consumo de 1 peso (US $ 0,05) por litro) foi integralmente repassado aos consumidores e teve o efeito esperado nas vendas: uma redução entre 6,2 e 8,7%.

Em relação à composição dos alimentos, alguns estudos documentaram alto teor de sódio em alimentos ultraprocessados.

A revisão teve como limitação não incluir a dimensão de comércio e investimento porque a maioria dos estudos nesta área foram revisões ou estudos qualitativos que não atendiam aos critérios de inclusão, a despeito de estes serem estudos cruciais para entender as mudanças recentes no sistema alimentar e no ambiente alimentar na América Latina. Outra limitação diz respeito à representatividade dos estudos, a maioria dos estudos era representativa de bairros ou cidades, mas não de países ou regiões inteiras.

Em conclusão, a literatura sobre o ambiente alimentar nos países latino-americanos cresceu nos últimos anos, provavelmente como resultado do aumento da prevalência da obesidade e do crescente reconhecimento do papel do ambiente alimentar na determinação da obesidade. Entretanto, ainda existem lacunas no conhecimento em relação a avaliações de políticas, estudos longitudinais com foco no varejo de alimentos, impactos do preço dos alimentos na dieta e efeitos do marketing digital na dieta/saúde.

A revisão destaca como lacunas de conhecimento que devem ser abordadas em pesquisas futuras: avaliação de políticas que visam modificar algum aspecto do ambiente alimentar; monitoramento de regulamentos e normas relacionados ao ambiente alimentar existentes; melhoria na inferência causal de estudos de varejo de alimentos; investigação do custo relativo de alimentos saudáveis ​​e não saudáveis; exploração de outros canais de marketing e publicidade, como o marketing digital; e investigação dos ambientes alimentares do local de trabalho.

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