A coexistência da epidemia de sobrepeso/obesidade com a desnutrição/deficiência de micronutrientes ressalta a importância da promoção de uma alimentação saudável na atuação dos profissionais de saúde. Guias alimentares são importantes ferramentas para os profissionais de saúde, que incorporam diretrizes/recomendações para uma alimentação saudável e as aproximam da realidade local de diferentes países. No Brasil, o Guia Alimentar para a População Brasileira (2ª edição) traz recomendações alimentares direcionadas para a sua população, além de considerar aspectos importantes como a sustentabilidade e a abordagem baseada na extensão e no propósito do processamento industrial para classificar os alimentos, a qual tem sido reconhecida como um bom indicador de qualidade da alimentação.
Os profissionais inseridos na Atenção Primária em Saúde (APS) são atores fundamentais na divulgação das recomendações do Guia Alimentar para a População Brasileira, em função do seu acesso e vínculo com a população e interação com os demais níveis de atenção do sistema de saúde. Entretanto, apesar da importância das recomendações feitas pelos profissionais da APS para a mudança de comportamento dos usuários/população, pouco ainda é incorporado à sua prática, seja pela capacitação insuficiente, pela dificuldade em abordar questões relacionadas à alimentação e/ou pelas barreiras na implementação de mudanças na sua prática profissional para orientar os indivíduos sobre alimentação.
Considerando estes aspectos, um estudo publicado em 2020 teve como objetivo avaliar o efeito de uma intervenção educativa baseada nas diretrizes do Guia Alimentar para a População Brasileira sobre o conhecimento, autoeficácia e eficácia coletiva dos profissionais que atuam na APS. Autoeficácia e eficácia coletiva são constructos da teoria cognitiva social que se referem a “percepção sobre a capacidade de uma pessoa em realizar um comportamento” e “crença compartilhada de um grupo quanto a sua capacidade de organizar e executar as ações necessárias para atingir objetivos”, respectivamente. O estudo utiliza estes constructos por acreditar que profissionais de saúde com formação na área de alimentação e nutrição aprimoram seus conhecimentos e sua percepção de autoeficácia e eficácia coletiva para o aconselhamento sobre alimentação saudável, individualmente ou em equipe, melhorando a qualidade da assistência prestada à população.
O estudo foi realizado com profissionais dos Núcleos Ampliados de Saúde da Família e Atenção Básica (NASF-AB) de um município brasileiro. A intervenção consistiu em uma oficina baseada no Guia Alimentar para a População Brasileira, que teve carga horária de 16 horas, dividida em quatro módulos de quatro horas. Os profissionais foram alocados de forma não aleatória em um grupo intervenção (GI) e um grupo controle (GC), de acordo com a distribuição das equipes no território, para minimizar a informação cruzada sobre a intervenção no GI. O GC não mudou sua rotina durante o período de intervenção.
O efeito da intervenção foi avaliado em três eixos: 1. O conhecimento dos profissionais de saúde sobre o Guia; 2. A autoeficácia dos profissionais; 3. A eficácia coletiva, entendida neste estudo como a confiança ou crença na capacidade de promover o aconselhamento nutricional com base nas diretrizes. Para avaliar o eixo 1, foi aplicado um questionário com 16 afirmações sobre as recomendações contidas no Guia Alimentar, com 3 opções de resposta: “verdadeiro”, “falso” e “não sei”. Cada questão correspondia a 1 ponto, variando a pontuação entre 0 e 16. As escalas que avaliaram a autoeficácia e eficácia coletiva, eixos 2 e 3, respectivamente, foram compostas por 12 questões, com respostas em 4 pontos na escala likert, variando entre 0 = não confiante e 3 = muito confiante, sobre a autoeficácia; e 0 = falso e 3 = muito verdadeiro, para a eficácia coletiva. Cada escala gerou uma pontuação final que variou entre 0 e 36 pontos. Os eixos foram avaliados antes da intervenção e 60 dias após o seu término.
Um total de 24 profissionais de saúde participaram do estudo. Aqueles que receberam a intervenção tiveram um aumento de 59,0% e 52,8% no conhecimento sobre as diretrizes alimentares e na percepção de autoeficácia, respectivamente. Não foram verificadas alterações na pontuação da eficácia coletiva ao longo do tempo nos dois grupos. O GC também não apresentou nenhuma alteração em termos de conhecimento e autoeficácia ao longo do estudo. O estudo destaca a relevância dos resultados de aumento no conhecimento do GI, mesmo com a aferição após 60 dias da intervenção, indicando que os participantes, além de aumentarem os conhecimentos, conseguiram reter os conhecimentos adquiridos em médio prazo.
O estudo discute que parte do efeito da intervenção nos conhecimentos adquiridos e na autoeficácia dos profissionais de saúde se deve ao instrumento que foi utilizado – Guia Alimentar para a População Brasileira – que, com sua abordagem ampliada nas dimensões que envolvem a alimentação, considerando os aspectos biológicos, culturais, econômicos e ambientais, pode ter aproximado as competências percebidas por estes profissionais de saúde, considerando a lógica da prática colaborativa interprofissional.
O fato de os grupos terem apresentado um escore de eficácia coletiva alto no início do estudo pode ter limitado o efeito deste desfecho após a intervenção. Este resultado também pode estar relacionado a fatores externos que estão associados à dinâmica de trabalho em equipe. O fato de os profissionais confiarem na capacidade de suas equipes em orientar sobre alimentação saudável talvez signifique que realizaram um trabalho em equipe satisfatório.
Os resultados deste estudo reforçam a importância do investimento em educação permanente para a formação dos profissionais de saúde da APS sobre alimentação e nutrição. Além disso, legitima a importância do investimento de educação permanente em equipes multiprofissionais de saúde para a implantação das diretrizes alimentares oficiais.
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