No contexto das doenças crônicas não transmissíveis (DCNT), a obesidade se destaca por ser tanto uma doença quanto um fator de risco para outras DCNT, como hipertensão e diabetes. Assim, das principais doenças que afetam a população mundial, a maioria está associada à obesidade. Atualmente, as DCNT são a principal causa de morte e invalidez no Brasil e no mundo, reduzindo significativamente a qualidade de vida dos indivíduos com essas condições. Essas doenças estão surgindo em idade cada vez mais jovem, impactando nos anos de vida mais produtivos.
A prevalência de obesidade vem aumentando de forma contínua em praticamente todos os países do mundo, tendo triplicado nas últimas quatro décadas. Esse aumento tem sido acompanhado pelo aumento de suas consequências, como maior morbidade por DCNT e ônus econômico, considerando os gastos para os sistemas de saúde e para as famílias. O tratamento e o controle da obesidade e das DCNT dependem de um conjunto de ações em saúde, incluindo o uso de medicamentos, uma das intervenções terapêuticas mais comuns em pacientes com doenças crônicas.
Um estudo analisou a relação entre obesidade e uso de medicamentos, utilizando dados da Pesquisa Nacional de Saúde de 2013, incluindo 59.402 indivíduos. As medidas de peso e estatura foram aferidas e utilizadas para cálculo do índice de massa corporal (IMC) e os indivíduos categorizados de acordo com a classificação do IMC (exposição). O número de medicamentos usados para tratar nove diferentes DCNT relacionadas à obesidade foi a variável de desfecho. Análises de regressão multinomial foram realizadas.
A população estudada era composta por 60.202 indivíduos com 18 anos ou mais. Da amostra original, 800 indivíduos (1,3%) foram excluídos por falta de dados de peso e/ou altura, resultando em um tamanho amostral total de 59.402. O peso variou de 30,0 kg a 179,0 kg, com média de 70,4 kg (± 15,2 kg), enquanto a altura variou de 1,25 m a 2,03 m, com média de 1,63 m (± 9,7 m). A amostra final foi composta por indivíduos de 18 a 109 anos com IMC variando de 13,1 a 64,6 kg/m2 (média de 26,5 kg /m2).
Em relação aos nove grupos de DCNT associadas à obesidade analisados no presente estudo, foi relatado maior percentual de uso de medicamentos para o tratamento de: hipertensão arterial (17,4%), problemas crônicos de coluna (7,4%), diabetes mellitus (4,7%) e depressão (4,0%). Apesar das variações observadas nas frequências, não foram encontradas diferenças nessas taxas para as variáveis sociodemográficas e geográficas analisadas.
A maioria da população (57,2%) apresentava excesso de peso, dos quais cerca de um quinto eram pessoas com obesidade (20,8%). Maiores taxas de obesidade foram encontradas em indivíduos da região Sul do país, residentes em áreas rurais, do sexo feminino, de meia-idade (prevalência crescente a partir dos 30 anos), cor da pele / raça negra e com menor escolaridade (não educação formal ou ensino fundamental incompleto).
O número de doenças tratadas com medicamentos relatadas em nível individual variou de zero a sete doenças diferentes. Indivíduos com maior IMC usaram mais medicamentos para o tratamento de suas DCNT, a saber: hipertensão, diabetes, doenças cardiovasculares, artrite e reumatismo, problemas crônicos nas costas e depressão. Esse número aumentou progressivamente com o aumento do IMC para todas as doenças citadas.
A frequência de indivíduos que referiram uso de medicamentos para tratar uma ou mais doenças também aumentou progressivamente com o aumento do IMC, mesmo após estratificação por idade (adultos e idosos). Aproximadamente um quinto dos indivíduos com obesidade grau III (20,2%) relatou tratar duas ou mais doenças com medicamentos, em comparação com apenas 5,6% dos indivíduos eutróficos (14,6% de diferença). Dos adultos com obesidade grau III, 13,9% relataram tratar duas ou mais doenças com medicamentos, enquanto entre os idosos essa proporção foi de 17,1%.
Os resultados da regressão logística multinomial (brutos e ajustados) mostraram que o estado nutricional foi associado ao número de comorbidades relacionadas à obesidade tratadas com medicamentos em todas as categorias, exceto (no modelo bruto) indivíduos com baixo peso. Considerando “indivíduo eutrófico” como categoria de referência, o risco do uso de medicamentos para tratar pelo menos uma DCNT aumentou progressivamente com o aumento do IMC, sendo esse risco ainda maior para o tratamento de duas ou mais doenças, principalmente após ajuste. O risco de ter que tratar duas ou mais DCNT com medicamentos foi aproximadamente 70% maior entre os indivíduos com sobrepeso (RR ajustado = 1,66; IC 95% 1,46-1,89), 170% maior naqueles com obesidade grau I (RR ajustado = 2,68; IC 95% 2,29–3,12), 340% maior para obesidade grau II (RR ajustado = 4,44; IC 95% 3,54–5,56) e 450% maior entre indivíduos com obesidade grau III (RR ajustado = 5,53; IC 95% 3,81–8,02), em comparação com indivíduos eutróficos. Indivíduos com obesidade grave (grau III) tiveram um risco quase seis vezes maior de ter que tomar dois ou mais medicamentos para tratar DCNT relacionadas à obesidade do que aqueles eutróficos.
As autoras concluem que os achados do estudo revelaram que a obesidade estava associada à utilização de medicamentos e ao número de DCNT tratadas com medicamentos. O uso de medicamentos entre os indivíduos com obesidade foi elevado e aumentou progressivamente com o aumento do IMC. Indivíduos com obesidade devem, portanto, ser monitorados cuidadosamente no que diz respeito ao uso de medicamentos, considerando a possibilidade de interações indevidas, por exemplo. Novos estudos com diferentes delineamentos, como o longitudinal, e investigações explorando acesso e gastos de medicamentos devem ser realizados.
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