O que esperar do preço de alimentos saudáveis e não saudáveis ao longo do tempo? O caso do Brasil
Alimentos ultraprocessados têm impacto negativo na saúde
O padrão alimentar associado ao maior risco de Doenças Crônicas não Transmissíveis (DCNT) é caracterizado pelo alto consumo de alimentos ultraprocessados (como refrigerantes e salgadinhos de pacote) e pelo consumo insuficiente de alimentos in natura ou minimamente processados (como frutas, hortaliças e feijão). Alimentos ultraprocessados têm um impacto negativo na saúde não apenas devido ao seu perfil nutricional (alto teor de sódio, açúcar livre e gordura total; baixo teor de fibras, vitaminas e minerais), mas também por uma série de mecanismos que promovem o consumo excessivo. As evidências indicam que esses alimentos estão gradualmente se tornando dominantes no sistema alimentar global, o mesmo tem sido observado nas últimas décadas no Brasil.
A segunda edição do Guia Alimentar para a População Brasileira, de 2014, reconhece barreiras para a adoção de uma alimentação saudável, com destaque para o preço dos alimentos. Diferente da situação observada em países de renda alta, no Brasil, uma alimentação baseada em alimentos in natura ou minimamente processados, (por exemplo, arroz e feijão), ainda é mais barata do que aquela baseada em alimentos ultraprocessados. No entanto, como o preço dos grupos de alimentos tem mudado ao longo do tempo com intensidades diferentes, a manutenção desse cenário em longo prazo não é clara. As evidências sugerem que os alimentos e bebidas não saudáveis estão se tornando cada vez mais acessíveis financeiramente do que as alternativas saudáveis nos países de renda média e baixa.
A diferença de preços entre alimentos saudáveis e não saudáveis diminuiu com o tempo
Um estudo publicado em 2020 teve como objetivo mensurar a variação de preços de grupos de alimentos ao longo do tempo (1995-2030) no Brasil, considerando as recomendações do Guia Alimentar para a População Brasileira, a partir da hipótese central de que a diferença de preços entre alimentos saudáveis e não saudáveis estivesse diminuindo. O estudo pretendeu aprofundar o conhecimento sobre as barreiras para a adoção de alimentação saudável no país (e congêneres) e também contribuir para o aprimoramento de políticas públicas e medidas regulatórias voltadas para a promoção da alimentação saudável.
Para criar o banco de dados contendo preços mensais (R$/kg) dos alimentos e bebidas mais consumidos no país (n=102) entre janeiro de 1995 e dezembro de 2017 foram utilizados dados da Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF 2008-2009) e do Sistema Nacional de Índices de Preços ao Consumidor (NSCPI), ambos disponíveis publicamente e coletados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). O NSCPI não fornece dados de preços reais, apenas a variação mensal dos preços. Sendo assim, os preços unitários da POF de 2008–2009 foram usados para calcular os preços de 1995 a 2017, usando a variação mensal do NSCPI. A mesma cesta de alimentos com 102 itens foi utilizada uniformemente ao longo do tempo para permitir a comparação desses preços. Todos os preços foram deflacionados (de acordo com o índice oficial de inflação nacional) para representar os valores de dezembro de 2017. Os alimentos e bebidas foram classificados de acordo com as recomendações do Guia Alimentar para a População Brasileira (com base na classificação NOVA) em quatro grupos e 17 subgrupos. O preço médio mensal (R$/kg) para cada grupo e subgrupo de alimentos foi estimado considerando a quantidade adquirida (em quilogramas) desses 102 alimentos e bebidas de acordo com a POF 2008–2009.
Considerando o período de 1995 a 2017, em média, os alimentos ultraprocessados eram o grupo mais caro (R$ 6,92/kg), seguidos dos alimentos processados (R$ 7,64/kg), e, por fim, pelos alimentos in natura ou minimamente processados e os ingredientes culinários (R$ 4,28/kg). Os subgrupos de alimentos com maiores preços eram carnes processadas (R$ 16,75/kg), doces (R$ 16,40/kg), linguiças (R$ 11,14/kg) e carnes (R$ 11,07/kg), e os menores preços se referiam a sal (R$ 1,22/kg), açúcar (R$ 2,22/kg) e refrigerante (R$ 2,81/kg).
Previsões indicam que alimentos não saudáveis se tornarão mais baratos do que alimentos saudáveis a partir de 2026
O preço dos alimentos in natura ou minimamente processados e dos ingredientes culinários processados aumentou continuamente durante o período estudado (de R$ 3,45/kg em 1995 para R$ 4,49/kg em 2017). O preço dos alimentos processados também aumentou (de R$ 5,28/kg em 1995 para R$ 8,55/kg em 2017); no entanto, a magnitude do aumento foi gradualmente reduzida ao longo dos anos. Por outro lado, o preço dos alimentos ultraprocessados aumentou durante o primeiro terço do período de estudo (1995 a 2002) (com magnitude semelhante à dos alimentos processados) e assumiu tendência oposta após o início dos anos 2000. Sustentando essa tendência, a projeção para 2030 aponta para um novo aumento nos preços dos alimentos in natura ou minimamente processados e dos ingredientes culinários processados (R$ 4,49/kg em 2017 para R$ 5,24/kg em 2030), queda no preço dos alimentos ultraprocessados (R$ 6,62/kg em 2017 para R$ 4,44/kg em 2030) e estabilidade nos preços dos alimentos processados. De acordo com essas previsões, alimentos saudáveis (alimentos in natura ou minimamente processados e ingredientes culinários processados) ficarão mais caros do que alimentos não saudáveis (ultraprocessados) no Brasil a partir de 2026. O preço relativo desses alimentos saudáveis em relação aos não saudáveis aumentou no período, de 53,8% em 1995 para 70,80% em 2017 e para 120,75% em 2030.
Entre os subgrupos de alimentos in natura ou minimamente processados, as carnes apresentaram o maior preço médio (R$ 11,07/kg), enquanto as raízes e tubérculos apresentaram o menor preço (R$ 3,15/kg). Com exceção de cereais e leguminosas e de leite e ovos, todos os subgrupos apresentaram tendência ascendente até 2030, principalmente frutas (R$ 3,80/kg em 2017 a R$ 7,51/kg em 2030). O preço dos subgrupos de ingredientes culinários processados variou intensamente durante o período de estudo; entretanto, apresentou valores semelhantes em 1995 e 2017. Entre os alimentos processados, apenas o preço das carnes processadas aumentou (R$ 12,92/kg em 1995 para R$ 20,13/kg em 2017), influenciando ainda mais a diferença de preço entre esses produtos e os demais do grupo. Finalmente, com exceção de refrigerantes, o preço de todos os subgrupos de alimentos ultraprocessados diminuiu entre 1995 e 2017, indicando redução adicional até 2030.
Desde o início dos anos 2000, o preço dos alimentos ultraprocessados vem passando por reduções sucessivas e diminuindo a distância entre ele e o preço dos outros grupos. As previsões indicam que alimentos não saudáveis se tornarão mais baratos do que alimentos saudáveis em 2026. Os preços dos alimentos no Brasil mudaram desfavoravelmente considerando as recomendações do Guia Alimentar para a População Brasileira. Isso pode implicar na piora da qualidade da alimentação da população.
Em conclusão, os resultados ilustraram mudanças significativas no cenário de preços de alimentos e bebidas no Brasil entre 1995 e 2017, que se estenderão pelo menos até 2030. Isso certamente impõe uma barreira importante para a adoção das diretrizes alimentares brasileiras. O monitoramento do preço dos alimentos ao longo do tempo complementa a estrutura de vigilância em saúde do país e ajuda a melhorar as estratégias nutricionais e as políticas fiscais, a fim de estimular uma alimentação mais saudável e a prevenção das DCNT na população. Mais pesquisas devem ser conduzidas para identificar a combinação ideal de intervenções para maximizar os preços dos alimentos ultraprocessados e reduzir os preços dos alimentos frescos.
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