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O estigma da obesidade pode contribuir para o ganho de peso corporal na população

Pessoas que vivem com a obesidade sofrem uma discriminação sistêmica em um contexto cultural de valorização do esforço pessoal e responsabilidade individual, que atribui a pessoas detentoras de maior corpulência a conotação negativa sobre sua personalidade, sendo taxadas de preguiçosas ou sem autocontrole.

A discriminação de peso se manifesta no âmbito educacional, carreira, oportunidade econômica e na dimensão de sucesso ao longo da vida. Para, além disso, o estigma de peso tem influência sobre a saúde, atuando como preditor de maior risco para a depressão, ansiedade e suicídio. O estresse ocasionado pelo estigma pode oferecer também maior risco para o desenvolvimento de doenças crônicas, além de desencadear o comer transtornado e a inatividade física.

Ao se tratar da prática de profissionais de saúde, há altos níveis de viés de regulação moral sobre a obesidade, quando profissionais sugerem que uma pessoa não irá aderir ao tratamento, e assim evitam lidar com pacientes com excesso de peso, sendo também relatada na literatura uma qualidade inferior no cuidado direcionado a pessoas com obesidade. Mensagens de saúde pública em torno da obesidade podem também reforçar o estigma, por meio da responsabilização do indivíduo.

Há sugestões de que se não for reconhecido como um importante problema, o estigma relacionado ao peso pode contribuir para o ganho de peso corporal dos indivíduos e, com isso para a epidemia da obesidade. Faz-se importante promover discussões quanto ao tipo de abordagem adotada em mensagens de prevenção à obesidade, de modo a não reforçar o estigma.

Há implicações globais do estigma da obesidade?

A visão sobre os corpos e o que representam difere entre culturas e conforme o tempo. Casos antológicos são citados com frequência onde a maioria dos grupos humanos considera corpos gordos em uma ótica positiva, como símbolo de beleza, bondade, cuidado e força. Uma extensa etnografia de 1980 mostra a visão jamaicana sobre esses corpos e os descrevem como felizes, saudáveis, amados e sexy, e corpos magros o seu revés.

À medida que há avanços na implementação de esforços ao combate à obesidade por meio dos governos, com destaque para o Sul Global, é importante pensar em duas perguntas básicas: 1 – “Há alguma evidência de estigma relacionado ao peso em países de renda média e baixa?”; 2 – “Em caso afirmativo, este é igualmente prejudicial ao bem-estar dos indivíduos?”. E, neste caso, se o estigma é evidente e tem impacto emocional nos indivíduos, há necessidade de uma pesquisa sobre as implicações da globalização do estigma da obesidade para a prevenção e o tratamento da doença em países de baixa e média renda.

Na busca por uma maior compreensão deste fenômeno, antropólogos relatam que novas normas sociais denominadas de anti-gordura, as quais podem ser consideradas gordofóbicas, têm crescido nos últimos 5 a 10 anos. Pessoas estão apresentando novas e reais preocupações culturais referentes aos corpos gordos e criando um sentimento de julgamento, rejeição e vergonha.

Atitudes para Pessoas com Obesidade coletou exemplos de estigmas da obesidade

A escala de Atitudes para Pessoas com Obesidade (ATOP) serviu como instrumento para coleta de evidências de estigma explicito (que captura o viés de consciência, em termos psicológicos), em áreas rurais de países como Bolívia, Paraguai e Dominica (país caribenho),encontrando-se altos níveis de atitudes anti-gordura. Já se tratando do estigma implícito (tendências que não são reconhecidas), ele pode ser capturado através de Testes de Associação Implícita (IAT). Países que possuem altas taxas de obesidade e Produto Interno Bruto (PIB) elevado apresentaram níveis mais altos do estigma implícito, porém estes fatores não parecem ter influência sobre o estigma explícito, conforme a escala padrão ATOP. Em estudantes americanos, observaram-se níveis mais altos nas medidas implícitas que explícitas de estigma de peso, pois há uma preocupação com o politicamente correto principalmente entre jovens americanos com maior escolaridade. Deste modo, sugere-se que a discriminação aberta (explícita) quanto ao peso corporal é mais comum no Sul Global, tendo em vista que há menor tabu social envolvido em relação a comentários gordofóbicos e provocações.

Com relação ao estigma de peso em países de baixa e média renda, uma pesquisa, ainda que marcada por algumas limitações metodológicas, traz os seguintes apontamentos: a) na contemporaneidade, as normas anti-gordura estão disseminadas globalmente; b) esta mudança aconteceu muito recentemente; c) há alguns locais do Sul Global em que a vergonha declarada pode ser mais socialmente aceitável, do que no Norte Global; d) a vergonha pode ser altamente angustiante para as pessoas, e em decorrência disso; e) é considerada potencialmente prejudicial à saúde.

Normas sociais em prol de “corpos diversos” é uma forma de combater o estigma da obesidade

Levando em conta a coocorrência de normas de peso positivo e negativo presentes em uma sociedade, a ambivalência dos modelos de corpo duplo/dual pode atuar como aliada e protetora da saúde. Ampliar as normas de corpos diversos no lugar de tentar eliminar os estigmatizantes de peso, pode ser uma alternativa mais fácil e eficaz de estratégia anti-estigma. Contudo, vale ressaltar que a problemática é quase sempre focalizada em corpos grandes e gordos.

Tais modelos duais de corpos podem estar associados à presença de políticas públicas e estratégias de saúde de enfrentamento integrado da obesidade e da desnutrição, em países como México, China e Índia, por exemplo.

Tendo isso em vista, os governos do Sul Global não devem medir esforços no combate à obesidade. No entanto, ao retomar as duas perguntas feitas inicialmente: 1 – ‘Há alguma evidência de estigma relacionado ao peso em países de renda média e baixa?’; 2 – ‘Caso afirmativo, é igualmente prejudicial ao bem-estar dos indivíduos?’, entende-se, a partir do exposto que para ambas, a resposta seria ‘sim’.

Deste modo, ainda que não se tenham estudos em grande escala coletados in situ, utilizando os instrumentos adaptados, padronizados e validados como ATOP e o IAT, há a possibilidade de que, por meio de experiências anteriores, seja possível garantir esforços relacionados ao enfrentamento da obesidade que não resultem na propagação da discriminação e do estigma relacionados ao peso corporal de pessoas, trazendo a perspectiva de maior resolutividade em Saúde Pública.

 

 

 

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