Instrumentos para avaliação da alimentação de crianças e adolescentes
27 de julho de 2021
Estigma da obesidade
17 de agosto de 2021

Obesidade e discriminação de peso na sociedade

É amplamente relatado que indivíduos com obesidade são frequentemente estigmatizado se estereotipados como “preguiçosos, desmotivados, sem autodisciplina, menos competentes, displicentes e desleixados”. Frequentemente, são considerados fisicamente pouco atraentes e indesejáveis, além de serem responsabilizados ​​por seu peso.

Pesquisas sobre obesidade mostram que o estigma geralmente acompanha a obesidade e afeta muitos aspectos da vida (trabalho/escola, cuidados de saúde e relações interpessoais). O conceito de estigma integra um conceito social muito mais amplo e não se refere apenas a crenças estereotipadas negativas. Estigma ou discriminação de peso refere-se a “atitudes e crenças negativas relacionadas ao peso que são manifestadas por estereótipos, rejeição e preconceito em relação aos indivíduos porque eles estão com sobrepeso ou obesidade”.

Discriminação de peso e sua construção social

O componente comportamental da construção do estigma contém perda de status e discriminação, sendo esta uma característica constitutiva do processo de estigma, distinta de preconceitos e estereótipos: “Discriminação é geralmente entendida como comportamento tendencioso, que inclui não apenas ações que prejudicam diretamente outro grupo, mas também aquelas que favorecem injustamente o próprio grupo”.

Nesse contexto, uma revisão sistemática com meta-análise teve por objetivo revisar a literatura existente relativa à estimativa de prevalência e formas de discriminação de peso percebida por indivíduos com obesidade.

A revisão foi realizada de acordo com as diretrizes de revisão sistemática da literatura do Centre for Reviews and Dissemination e seguiu o protocolo de relato PRISMA (Preferred Reporting Items for Systematic Reviews and Meta-Analyses). A busca da literatura foi realizada até março de 2015nas bases de dados Medline, Web of Science e Cochrane Library, bem como nas referências dos artigos selecionados. Foram incluídos estudos observacionais relativos a estimativas de prevalência e formas de discriminação de peso percebida entre indivíduos com obesidade. Foram realizadas meta-análises usando modelos de efeitos aleatórios. Nenhuma meta-análise pôde ser realizada para discriminação relacionada ao trabalho, aos cuidados de saúde e interpessoal, devido ao pequeno número de estudos nessas temáticas.

Entender a comunidade é essencial para compreender a discriminação de peso

A busca inicial resultou em 4393 artigos, com 237 destes identificados como potencialmente atendendo aos critérios de inclusão. Na revisão final, após a leitura dos textos completos, foram incluídos 9 estudos. Todos os estudos que atenderam aos critérios foram baseados na comunidade, sendo 8 conduzidos nos Estados Unidos e 1 na Europa, e 5 estudos pesquisaram amostras nacionalmente representativas de indivíduos com 18 anos ou mais. Os tamanhos das amostras variaram de 93 a 22.231 indivíduos.

A maior parte dos trabalhos de pesquisa nessa área contou com estudos transversais, sendo apenas um deles longitudinal. Todos os estudos foram baseados em autorrelatos e questionários validados. Os instrumentos predominantes aplicados nas investigações foram a escala “Life time and Daily Discrimination”, administrada no National Survey of Midlife Developmentin the United States (MIDUS) e a escala modificada “Experiences of Discrimination Scale”. A proporção de participantes com obesidade (Índice de Massa Corporal (IMC)> 30 kg/m2) variou de 27,4% a 100%.

A maioria dos estudos classificou a obesidade de acordo com a classificação da Organização Mundial da Saúde: obesidade grau I (IMC = 30-34,9 kg/m2), obesidade grau II (IMC = 35-39,9 kg/m2) e obesidade grau III (IMC>40).Os valores de IMC classificados como ‘obesidade moderada’ (IMC = 30-34,9 kg/m2) foram denominados como obesidade grau I, e os valores de IMC classificados como ‘obesidade grave’ (IMC>35) foram denominados como obesidade grau II/III.

Afinal, como é definida a discriminação de peso?

Um dos estudos definiu a discriminação de peso percebida como “a experiência de uma pessoa ser maltratada por outros por causa de seu peso”. Uma definição tradicional de discriminação foi utilizada em 67% dos estudos revisados, descrevendo a discriminação como “tratamento negativo e desigual de pessoas por causa de seu pertencimento a um determinado grupo”. Os motivos causais para a discriminação incluíram aparência física, peso ou altura, ou apenas peso.

Uma definição de percepção de discriminação geral, baseada não somente no peso ou altura foi utilizada por um dos estudos. Esta definição envolve “a percepção de que alguém é tratado de forma diferente com base na participação em um grupo”, mas também inclui “a crença de que o tratamento diferenciado foi injusto”, o que enfatiza a natureza subjetiva da discriminação.

Em relação às estimativas de prevalência das experiências gerais de discriminação de peso, a discriminação ao longo da vida entre adultos norte-americanos foi relatada em até 53,9% nos indivíduos com obesidade. As análises dos dados do primeiro estudo do National Survey of Midlife Developmentin the United States (MIDUS I) (N = 3437) revelaram estimativas de prevalência de 33% de percepção de discriminação de peso em indivíduos com obesidade grau II/III e 16% em indivíduos com obesidade grau I. Houve prevalência significativamente menor em indivíduos com peso normal (7%) em comparação com indivíduos com obesidade grau II/III. A prevalência de discriminação de peso percebida em uma subamostra MIDUS (N = 2290) revelou diferenças de gênero significativas. A prevalência de discriminação de peso percebida foi muito maior em mulheres do que em homens. Entre as mulheres, as estimativas de prevalência variaram entre 20,6% (obesidade grau I) e 45,4% (obesidade grau II/III), já entre os homens variaram entre 6,1% (obesidade grau I) e 28,1% (obesidade grau II/III). A prevalência em indivíduos eutróficos foi de 2,2% (mulheres e homens).

As análises longitudinais dos dados da pesquisa MIDUS mostraram um aumento não significativo da discriminação de peso percebida em todas as categorias de peso na comparação entre as duas avaliações realizadas (1995-1996: N = 1826; e 2004-2006: N = 1136). Maior prevalência de discriminação de peso percebida foi apontada por indivíduos com obesidade grau II/III (38,7-42,5%) do que em indivíduos com obesidade grau I (12,5-14,2%) e peso normal (1,1-3,9%).

Discriminação de peso atinge indivíduos obesos em diferentes aspectos da vida

Em relação à discriminação de peso em diferentes aspectos da vida, 5estudos relataram taxas de prevalência de percepção de discriminação relacionada ao trabalho e 2estudos relacionada aos cuidados de saúde. Um estudo também relatou a prevalência de discriminação de peso percebida nas relações interpessoais do dia-a-dia, que envolveram tratamento cruel e agressões de caráter, como: “tratado com menos cortesia do que as outras pessoas”, “tratado com menos respeito do que outras pessoas” ou “recebem um serviço pior do que outras pessoas em restaurantes ou lojas”. Além disso, a discriminação de peso percebida em ambientes que envolvem a polícia ou tribunais também foi examinada em um dos estudos.

A prevalência combinada de discriminação de peso percebida foi de 5,7%para indivíduos eutróficos, 19,2% para indivíduos com obesidade grau I e 41,8% para indivíduos com obesidade grau II/III. Os resultados de amostras nacionalmente representativas dos EUA revelaram estimativas de prevalência mais altas em indivíduos com valores de IMC mais altos (IMC>35 kg/m2) e em mulheres.

“Discriminação de peso percebida” – uma temática que precisa ser mais amplamente estudada

Percepções de discriminação de peso por indivíduos com obesidade foram comuns, tendo consequências negativas e altamente relevantes na sociedade, o que demanda que este seja um foco de potenciais intervenções. A revisão revelou várias lacunas e limitações nas pesquisas sobre discriminação de peso percebida. Os autores destacam a necessidade de um consenso na definição e uso consistente do termo “discriminação de peso percebida”. O estudo focou na prevalência de discriminação percebida, entretanto há evidências de que as pessoas com obesidade são confrontadas com discriminação estrutural em suas vidas cotidianas.

São necessárias intervenções não estruturais para reduzir o estigma, incluindo componentes interpessoais e intrapessoais, assim como também intervenções de nível estrutural, direcionadas ao ambiente sócio-político, intervenções políticas/legais para proteger grupos estigmatizados, assim como para reduzir barreiras à educação ou aos cuidados de saúde.

Para ler o artigo na íntegra, clique aqui.

 

Compartilhar

Deixe uma resposta

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *