Adequação do manejo da obesidade na atenção primária

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Como o Brasil trata a obesidade na atenção primária à saúde?

No Brasil, a prevalência de sobrepeso e de obesidade teve aumento de mais de 60% entre os anos de 2016 e 2018. O cuidado à obesidade ocorre nas unidades básicas de saúde (UBS), a porta de entrada do Sistema Único de Saúde (SUS), onde ocorrem ações intersetoriais, que incluem promoção da saúde, vigilância alimentar e nutricional, educação em saúde e cuidados médicos e interdisciplinares, realizadas por uma equipe multidisciplinar, cenário este centrado principalmente na Estratégia Saúde da Família (ESF).

Para que se tenha uma melhora dos cuidados ofertados, a avaliação da atenção primaria à saúde (APS), é fundamental. Em 2011, O Ministério da Saúde propôs a criação do Programa Nacional de Melhoria do Acesso e da Qualidade (PMAQ), que avalia UBS e equipes de saúde de em relação à estrutura, processo de trabalho e resultados, equipes e serviços. Aqueles com bons resultados recebem incentivos financeiros, enquanto aqueles com desempenho pouco satisfatório são reavaliados.

O PMAQ busca promover melhorias na qualidade da assistência por meio da qualificação e do monitoramento dos serviços de saúde participantes. Um estudo teve como objetivo descrever a adequação das UBS em relação à estrutura e ao processo de trabalho relacionado ao manejo da obesidade, além de avaliar a satisfação dos usuários com os serviços de saúde.

Existem equipamentos para manejo da obesidade na atenção primária?

Foram avaliados dados do segundo ciclo do PMAQ (2013-14), em UBS brasileiras. A avaliação incluiu três aspectos: (1) observação na UBS; (2) entrevista com o profissional da equipe de atenção básica e verificação de documentos na unidade de saúde; (3) entrevista com usuários na UBS (4 por equipe).

Os usuários foram caracterizados quanto ao sexo, idade em anos, cor da pele segundo classificação do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), escolaridade, renda per capita mensal, presença de hipertensão arterial e diabetes mellitus (autorrelatadas) e região geográfica de residência (Norte, Nordeste, Centro-oeste, Sudeste e Sul).

A análise foi realizada com base no arcabouço conceitual proposto por Donabedian. Para avaliar a estrutura da APS e o processo de trabalho para o cuidado com a obesidade, três indicadores foram criados:

(1) estrutura de equipamentos, recursos humanos e instalações para o cuidado da obesidade: presença mínima combinada de antropômetro, balança de 200 kg e equipe ampliada, com abordagem interprofissional foi considerada estrutura adequada.

(2) acesso: disponibilidade de ações coletivas e individuais em saúde, como a presença mínima e combinada de avaliação nutricional, atividade de educação coletiva de saúde e agendamento de consulta para usuários/as com obesidade foram considerados como acesso adequado;

(3) organização e gestão adequada dos serviços: presença mínima e combinada de registros de usuários com obesidade, apoio matricial da Equipe do Núcleo Ampliado de Saúde da Família e Atenção Primária (eNASF-AP), e conduta definida para o manejo da obesidade foi considerada como adequada organização e gestão de serviços

Pacientes em tratamento de obesidade na atenção primária também foram ouvidos

Foram avaliados dados de 24.065 UBS e de 114.615 usuários da atenção primária, em 4.845 municípios do Brasil. Do total de usuários, 79,6% eram mulheres, 46,1% autorrelataram a cor de pele como parda, 51,1% relatou ser analfabeto ou ter Ensino Fundamental incompleto e 67,7% ter renda mensal entre 1 a 3 salários mínimos. Predominantemente pertencentes às regiões geográficas do Nordeste (35,1%) e do Sudeste (34,5%), 37,6% relataram ter hipertensão arterial e 13,7% diabetes mellitus.

Estrutura adequada foi encontrada em 7,6% das UBS analisadas, 14,6% na região Sul e 14% Sudeste. Quanto aos itens essenciais para ao manejo da obesidade, apenas 26,6% das UBS foram considerados como tendo acesso adequado ao manejo, com menor prevalência na Região Norte (18,9%). A organização adequada dos serviços foi encontrada em 27,8% das UBS, sendo 32,8% no Sudeste e 28,2% no Nordeste. Mais de 80% dos usuários entrevistados classificaram os cuidados que receberam como bons ou muito bons. Sabendo que grande parte da população utiliza exclusivamente o SUS e mais de 1 milhão de brasileiros têm obesidade grave, a falta de estrutura adequada observada para o diagnóstico/avaliação/monitoramento da obesidade pode ser prejudicial para a qualidade do cuidado ofertado.

O diagnóstico correto de obesidade na atenção primária é importante para o recebimento de mais recursos

Em 2011, a Política Nacional de Alimentação e Nutrição (PNAN) foi atualizada e com isso os serviços receberam apoio financeiro e material para aquisição de equipamentos antropométricos, como: balança digital/mecânica de 200kg. No entanto, o diagnóstico inadequado da obesidade na atenção primária pode interferir no recebimento destes equipamentos. Junto a isso, a participação de profissionais de psicologia, educação física e nutrição nas UBS é insuficiente, o cuidado com a obesidade na APS ainda é limitado, prejudicando a consolidação de iniciativas voltadas para a PNAN e, apesar do Ministério da Saúde indicar o diagnóstico nutricional como prioridade, apenas 1/3 das UBS mantém registro dos usuários com obesidade e seus referenciamentos.

Vale ressaltar, no entanto, que a avaliação dos dados do segundo ciclo do PMAQ (2013-14) é quase simultânea à criação da linha de cuidados para o sobrepeso e a obesidade no sistema de saúde. Destaca-se também que as questões que compõem os indicadores do estudo foram desenvolvidas por especialistas e pesquisadores do PMAQ e todos os indicadores foram validados por técnicos do Ministério da Saúde e profissionais da APS.

Por se tratar de um dos primeiros estudos que investiga a adequação da estrutura e processos de trabalho da APS brasileira em relação ao manejo da obesidade, com uso de instrumentos padronizados, permitindo comparações entre regiões, a pesquisa promoveu a identificação de prioridades do ponto de vista dos usuários, reorientação dos serviços e sua resolutividade.

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