Com base na mudança no padrão alimentar europeu e no alto consumo de ultraprocessados, e devido ao fato de ser predominante na literatura estudos sobre consumo total de ultraprocessados e sua contribuição para ingestão energética diária, este estudo teve como objetivo principal avaliar a contribuição de alimentos ultraprocessados na ingestão diária de energia e identificar os subgrupos que mais influenciam esse consumo entre crianças e adolescentes. Como objetivo secundário, buscou-se explorar a associação entre o consumo de ultraprocessados, seus subgrupos e o estado nutricional de indivíduos de 2 a 18 anos participantes da Pesquisa Helênica de Nutrição e Saúde (HNNHS), realizada entre setembro de 2013 e maio de 2015, na Grécia.
Os alimentos foram agrupados de acordo com a classificação NOVA e para os ultraprocessados foram identificados oito subgrupos (pratos prontos para consumo, produtos lácteos adoçados e/ou aromatizados, pães industrializados, bebidas adoçadas, lanches salgados e assados, cereais adoçados, doces e outros alimentos ultraprocessados). A ingestão total de energia diária proveniente de cada subgrupo foi calculada e o percentual de contribuição de cada subgrupo de ultraprocessados foi calculado para a amostra total e por estado nutricional.
O estado nutricional dos participantes foi avaliado a partir do índice de massa corporal (IMC), utilizando as tabelas de referência da International Obesity Task Force (IOTF), que consideram as diferenças de idade e sexo nos padrões de crescimento infantil e adolescente. Atividade física foi avaliada por meio de questionários validados, específicos para cada faixa etária.
Avaliou-se diferenças no consumo de ultraprocessados entre crianças eutróficas e com sobrepeso/obesidade. Análises adicionais exploraram associações entre o consumo de ultraprocessados e o risco de obesidade, ajustando para fatores sociodemográficos e de estilo de vida. Para os subgrupos mais consumidos, foi analisado o nível de ingestão associada ao risco de sobrepeso ou obesidade. O consentimento para participação foi obtido dos pais e/ou responsáveis. Destaca-se que os pais e/ou responsáveis forneceram os dados de ingestão alimentar e peso e altura quando os indivíduos eram menores de 12 anos.
Dentre os 443 indivíduos participantes da pesquisa, 75% foram categorizados como eutróficas e 25% como excesso de peso. Em relação aos fatores sociodemográficos e estilo de vida, foram encontradas diferenças significativas entre os grupos classificados como eutróficos e excesso de peso em relação ao tempo de tela. Quanto ao total de energia diária oriunda dos ultraprocessados, a contribuição no geral foi considerada alta para a amostra total (39,8%). Não foram encontradas diferenças significativas entre crianças e adolescentes em eutrofia e excesso de peso. Entre os subgrupos de ultraprocessados, apenas para o subgrupo “outros”, com presença de carnes reconstituídas, batatas pré-preparadas, gorduras, pastas e molhos, foi encontrada diferença significativa de acordo com estado nutricional, apontando maior consumo entre crianças classificadas como eutróficas.
O cálculo da contribuição de cada subgrupo de ultraprocessados mostrou que quatro subgrupos foram responsáveis por 86% da ingestão total de ultraprocessados, com contribuição individual maior que 10% da ingestão energética diária total. Os pratos prontos para consumo foram os mais consumidos (34,7% entre crianças classificadas como eutróficas e 40,7% entre crianças com excesso de peso), seguidos dos cereais adoçados (21,4%), lanches salgados e assados (15,4%) e doces (12,9%).
Na análise de associação entre o consumo de ultraprocessados e o estado nutricional, não foram encontradas diferenças significativas entre os tercis (baixo, médio e alto) de ingestão de ultraprocessados e o risco de obesidade. Nos modelos para os subgrupos, ajustados pelas variáveis sexo, idade, energia total consumida e tempo de tela, lanches salgados e assados foram associados ao aumento na probabilidade de excesso de peso. Este achado se refere as crianças e adolescentes em que o consumo deste subgrupo representava mais de 62% da energia diária total.
Embora os autores não tenham se aprofundado em hipóteses para fatores que possam ter interferido em seus achados, reforçam que o consumo de ultraprocessados pode estar associado a obesidade, devido a mecanismos como a alta palatabilidade e redução dos sinais de saciedade, composição dos ultraprocessados (alto teor de açúcares, gorduras saturadas e trans, e sódio, e baixo teor de proteínas, fibras e micronutrientes), acesso físico e financeiro e tamanho das porções destes alimentos.
Por fim, sugere-se que é necessário considerar o padrão e subgrupo de ultraprocessados consumidos e não somente avaliar a contribuição energética total dos ultraprocessados. Ademais, são reconhecidas as limitações, como o caráter retrospectivo dos dados, fato de não ser possível estabelecer inferência sobre a sequência temporal da associação entre o consumo de ultraprocessados e a obesidade e o tamanho amostral não ter permitido estratificações por faixa etária.
Contudo, reforça-se que este é o primeiro estudo que avalia os principais subgrupos alimentares de ultraprocessados consumidos por crianças gregas, identificando alta contribuição dos ultraprocessados para a ingestão total de energia em crianças e adolescentes independente do estado nutricional, ainda que não tenha encontrado associação entre o consumo total de ultraprocessados e excesso de peso.