Dez anos do Guia Alimentar para a População Brasileira

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Após 10 anos da publicação da segunda edição do Guia Alimentar para a População Brasileira (2014), este estudo de revisão narrativa organiza informações sobre a origem e o contexto histórico do Guia, analisando suas contribuições para a ciência da nutrição e das políticas públicas de alimentação e nutrição no Brasil e no mundo.

Para a construção da revisão narrativa foi realizada uma busca em documentos técnicos, notícias em acervo de jornais e artigos científico publicados entre os anos de 2014 e 2024, sem restrição de idioma. A revisão também inclui uma análise crítica e pessoal de seus autores, agregando suas visões sobre a origem, trajetória e impactos do Guia.

Na dimensão da origem e contexto histórico do Guia, a criação em 1945, da Organização das Nações Unidas para Alimentação e Nutrição (FAO), juntamente com a Organização Mundial de Saúde, promoveu o conceito de guias alimentares baseados em alimentos no contexto das políticas públicas. Em 1992, a Conferência Internacional sobre Nutrição culminou em um plano de ação que enfatizou a importância de os países desenvolverem seus guias alimentares individualmente, levando em consideração os diferentes desafios enfrentados em cada contexto. Tal plano de ação foi um incentivo para que os guias começassem a ser organizados em todo o mundo e até 2020, mais de cem países haviam publicado seus guias alimentares, com o Brasil já tendo publicado a primeira (2006) e a segunda edição (2014).

A elaboração de um guia baseia-se na compreensão da natureza, extensão, causas e possíveis soluções para os problemas de saúde pública relacionados à alimentação em um determinado território, com a compreensão do estado da arte e a consideração de paradigmas nutricionais construídos e modificados ao longo do tempo. Um exemplo desses paradigmas é a definição de valores nutricionais de referência (quantidades diárias estimadas de energia e nutrientes para atender às necessidades nutricionais dos indivíduos) na década de 1950, que respaldaram a 1ª edição do Guia (2006) com conceitos teóricos e sete diretrizes relacionadas a nutrientes e grupos de alimentos.

Em 2010, duas importantes referências emergiram, como a proposta da Classificação Nova de Alimentos, destacando o papel do processamento dos alimentos e sua qualidade nutricional e a Emenda Constitucional nº 64, reconhecendo a alimentação como um direito social. Entre 2010 e 2011, surgiram o Plano Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional e a segunda edição da Política Nacional de Alimentação e Nutrição que tem, como uma de suas diretrizes, a Promoção da Alimentação Adequada e Saudável, compreendida como um conjunto de estratégias que proporciona aos indivíduos e comunidades práticas alimentares adequadas aos seus aspectos biológicos e socioculturais, bem como ao uso sustentável do meio ambiente. Essa visão ampliada acabou determinando a abordagem e os princípios para a revisão do Guia e culminando na publicação da sua segunda edição, em 2014.

A segunda edição do Guia é inovadora principalmente pela incorporação da Classificação Nova como base de suas diretrizes alimentares, pois, pela primeira vez, um guia alimentar reconheceu os impactos do processamento na qualidade dos alimentos e da dieta. Além disso, o Guia defende a variedade, a preferência por alimentos de origem vegetal, o incentivo à agricultura familiar, à economia local e à biodiversidade e a importância das habilidades culinárias e da cultura alimentar no preparo e consumo das refeições.

No que diz respeito à ciência da Nutrição, o Guia deu origem a um conjunto de estudos sobre a classificação Nova, que não apenas reforçam as recomendações mencionadas no documento como também esclarece diversos impactos do consumo de alimentos ultraprocessados, deixando claro que os padrões alimentares ricos em alimentos ultraprocessados aumentam o risco de doenças e morte nas populações. O Guia também levou em consideração os impactos dos padrões alimentares ultraprocessados na natureza e nos sistemas alimentares e esses podem ser resumidos em três impactos: a monotonia alimentar, o aumento das pegadas de carbono, hídricas e ecológicas dos alimentos e a perda da diversidade de espécies animais e vegetais utilizadas na alimentação e agricultura.

A implementação da segunda edição do Guia faz parte do arcabouço das políticas públicas de promoção da alimentação adequada e saudável, como o segundo Plano Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional, que traz metas relacionadas à implementação das recomendações do Guia, bem como do Plano de Ações Estratégicas para o Enfrentamento das Doenças Crônicas e Não-Transmissíveis no Brasil 2021-2030, com a inclusão da meta de redução do consumo de alimentos ultraprocessados. Adicionalmente, o Guia tem sido essencial para formulação de medidas federais e municipais, como em 2015, quando o Ministério da Saúde e entidades relacionadas proibiram a oferta, venda e propaganda de alimentos ultraprocessados no local de trabalho. Em 2020, uma resolução do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação limitou a compra de produtos ultraprocessados e incentivou o consumo de alimentos in natura no âmbito do Programa Nacional de Alimentação Escolar. Em 2023 uma série de políticas foram implementadas, como: o Plano Brasil Sem Fome, que orienta que as ações de proteção social às famílias em situação de insegurança alimentar sejam baseadas em guias alimentares; as leis municipais do Rio de Janeiro e Niterói que proíbem a oferta e venda de alimentos ultraprocessados em escolas públicas e privadas e a publicação de três decretos presidenciais que regulamentam a nova cesta básica (conforme o Guia e a Classificação Nova), orientam ações de promoção da alimentação adequada e saudável no ambiente escolar, além de instituir a Política e Plano Nacional de Abastecimento Alimentar.

Os princípios da segunda edição do Guia Alimentar para a População Brasileira também serviram de base para o desenvolvimento de guias alimentares em outros países, especialmente na América Latina (Uruguai, Peru, Equador, México e Chile), bem como no Canadá e Índia. Dez anos após o seu lançamento em 2014, é evidente o impacto do Guia tanto na ciência quanto na formulação e implementação de políticas públicas. No entanto, ainda existem desafios na sua disseminação, que implicam na subutilização de suas diretrizes por profissionais de saúde na atenção primária e em outros pontos da rede de atenção à saúde, como a hospitalar. Ainda, observa-se a incorporação insuficiente de temas importantes como a sustentabilidade alimentar. Os autores destacam que a expansão da implementação das diretrizes do Guia é essencial para enfrentar os desafios atuais e futuros da saúde pública e do meio ambiente no Brasil.

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