Estratégias de prevenção da obesidade na América Latina

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As taxas de obesidade na América Latina estão entre as mais altas do mundo. Por se tratar de um tema de grande preocupação vários esforços vem sendo planejados e implementados na região para a prevenção e o cuidado da obesidade. Muitas dessas estratégias são recentes e ainda não foram sistematicamente revisadas, conforme recomendação da Organização Mundial da Saúde (OMS), a fim de apoiar os estados membros na prevenção da obesidade.

Uma revisão de escopo, publicada em 2021, teve como objetivo descrever as estratégias implementadas em 17 países da América Latina para a prevenção da obesidade e fornecer uma visão geral de seu impacto. Esta foi parte de um projeto mais amplo sobre Obesidade e Diabetes na América Latina e no Caribe financiado pelo Global Health Consortium da Florida International University.

As estratégias nacionais e regionais de prevenção da obesidade foram divididas em quatro áreas, conforme sugerido pelas diretrizes da OMS sobre prevenção da obesidade: 1) Estruturas governamentais para prevenção da obesidade; 2) Diretrizes para apoiar práticas saudáveis; 3) Orientações para a promoção de práticas saudáveis; 4) Programas ou iniciativas para toda a população ou com foco na comunidade.

Foi realizada, no ano de 2019, uma busca de estratégias de prevenção da obesidade usando mecanismos de busca na Internet, com palavras-chave específicas para as quatro áreas descritas acima, além das páginas governamentais específicas de 17 países da América do Sul e Central, excluindo o Caribe. A busca não foi restringida por ano, faixa etária ou gênero e incluiu documentos em inglês, espanhol e português. Foram ainda incluídos relatórios da OMS, OPAS, FAO, Instituto de Nutrição da América Central e Panamá e UNICEF sobre prevenção da obesidade na América Latina. Membros-chave dos Ministérios da Saúde de cada país foram contatados para obter informações adicionais sobre essas estratégias.

Para a identificação de impacto dessas estratégias foi feita uma pesquisa bibliográfica nas bases PubMed, Agricola e CINAHL, usando estratégia de busca semelhante. Por falta de dados, a busca foi estendida ao Google e Google Acadêmico e a outros documentos não publicados nessas bases, como relatórios da OPAS. A partir destes, foi realizada uma busca manual por referências adicionais.

13 dos 17 países possuem plano de prevenção da obesidade

A maioria dos países definiu o Ministério da Saúde como a instituição líder para a supervisão das estratégias de prevenção da obesidade. Embora todos os países tenham implementado inquérito para monitorar a obesidade, apenas em alguns países essas pesquisas são recentes. A maioria dos países analisados ​​(13 dos 17 países) tem um plano nacional de prevenção da obesidade e diretrizes para uma alimentação saudável. Além disso, nove países possuem diretrizes específicas para crianças, seis países possuem diretrizes para promoção da atividade física e cinco países possuem outras diretrizes para o diagnóstico e o tratamento da obesidade e outras doenças crônicas. As estratégias mais comuns identificadas relacionadas à prevenção da obesidade foram a rotulagem frontal na embalagem de alimentos (17 países), educação alimentar e nutricional nas escolas (9 países) e regulação do ambiente escolar (15 países).

Outras estratégias incluem impostos sobre bebidas açucaradas (2 países em fase de proposta e 6 implementaram), restrições sobre gorduras (7 países têm restrições em vigor sobre ácidos graxos trans e/ou gorduras saturadas), restrições sobre sódio (2 países), regulamentação para a comercialização de alimentos (1 país propôs e 6 países a implementaram), diretrizes sobre promoção de atividade física (9 países) e ações de segurança alimentar e nutricional (13 países).

Vários programas ou iniciativas foram implementados nos países analisados: programas de alimentação escolar para fornecer café da manhã, almoço e/ou lanches saudáveis ​​para crianças nas escolas (17 países); promoção de educação alimentar e nutricional (6 países têm isso em nível populacional e 11 em nível escolar); promoção de atividade física, como a inclusão de ciclovias (9 países); apoio à agricultura familiar (4 países); promoção de ambientes mais saudáveis ​​(3 países têm isso em nível populacional e 7 em nível escolar); e cuidado da obesidade (4 países).

Os autores ressaltam que podem haver outras intervenções ou estratégias não mencionadas na revisão que não foram publicadas ou não estão facilmente acessíveis por meio de pesquisa online, e que algumas das estratégias podem estar desatualizadas ou terem sido interrompidas até o momento da publicação, em decorrência de mudanças políticas nos governos.

Carência de relatos impede avaliação das estratégias de prevenção da obesidade

Em relação a avaliação do impacto das estratégias implementadas nesses países para a prevenção da obesidade, de modo geral a revisão evidenciou uma carência de relatos e estudos de avaliação.

Em relação aos planos estratégicos, em 2014, todos os países da América Latina assinaram o Plano de Ação para a Prevenção da Obesidade em Crianças e Adolescentes e o Conselho de Ministérios da Saúde da América Central desenvolveu o Plano de Prevenção da Obesidade em Crianças e Adolescentes em 2014–2025. Em 2016, a Caribbean Public Health Agencye e a OPAS, em colaboração com os Ministérios da Saúde de países com políticas bem-sucedidas de prevenção da obesidade, como México e Chile, desenvolveram um roteiro para prevenção da obesidade infantil. Além disso, a Non-Communicable Diseases Alliance desenvolveu um Plano de Ação da Sociedade Civil para 2017–2021 sobre a Prevenção da Obesidade Infantil no Caribe. Por fim, várias instituições convocaram especialistas da OPAS, FAO e o The National Institutes of Health’s Fogarty International Center para avaliar a situação.

Políticas nutricionais de prevenção da obesidade bem sucedidas

Quanto às políticas nutricionais, existem algumas estratégias bem-sucedidas em termos de aceitação, alcance ou impacto na mudança de comportamentos e práticas na América Latina, como a rotulagem frontal de alimentos. Em 2018, os Ministros da Saúde do MERCOSUL (Mercado Comum do Sul) acordaram um conjunto de princípios para promover sistemas de rotulagem frontal obrigatórios  para indicar teor excessivo de açúcar, sódio e/ou gordura. Um estudo que avaliou diferentes modelos de rotulagem em 1000 participantes de todos os 12 países do MERCOSUL, em 2018, descobriu que a mudança na rotulagem melhorou significativamente a capacidade dos indivíduos para classificar os produtos de acordo com sua qualidade nutricional. Além disso, um estudo no Chile feito 6 meses após a implementação desta norma constatou que 67% dos participantes selecionaram produtos com menos advertências no rótulo e que a presença de selos “altos em” influenciou a decisão de compra entre 90% destes.

Outra estratégia bem-sucedida é o imposto sobre bebidas açucaradas. Uma revisão focada apenas em países da América Latina identificou que pelo menos 39 iniciativas regulatórias de bebidas açucaradas foram propostas. Destas, 28 iniciativas foram aprovadas por órgãos legislativos e executivos e 11 são iniciativas autorregulatórias das indústrias de bebidas. As experiências do México e do Chile foram as mais estudadas até então, pois foram implementadas há alguns anos (2014 no México e 2016 no Chile). No Chile, houve uma redução significativa de 22% no volume mensal comprado de refrigerantes com impostos mais altos, sendo esta redução mais evidente entre os grupos socioeconômicos mais altos e entre indivíduos que compravam maior quantidade destas bebidas antes da implementação do imposto. No México, as compras de bebidas tributadas passaram de uma média de 200 ml/d no final de 2013 (pouco antes da implementação do imposto sobre bebidas) para cerca de 160 mg/d no final de 2014 (após cerca de 1 ano da implementação do imposto), o que representa uma queda de 12%. Além disso, houve aumento nas compras de bebidas não tributadas da ordem 4% (36 ml/capita/d), principalmente devido à compra de água.

A evidência sobre o efeito destas estratégias é considerado médio, pois há limitação de estudos em diferentes países e a maioria não incluiu uma amostra representativa da população.

Proibição de publicidade tem impacto na prevenção da obesidade em crianças

Outra estratégia é a regulamentação da comercialização de alimentos. A proibição da publicidade de alimentos não saudáveis ​​pode ter um impacto positivo na dieta das crianças. Até agora, o Chile é o país que implementou a regulamentação mais abrangente de publicidade de alimentos, regulando 35-45% dos alimentos processados ou ultraprocessados ​​e bebidas com alto teor de açúcar adicionado, sódio ou gordura saturada. Além disso, há uma proibição da comercialização de certos alimentos não saudáveis ​​durante programas de TV infantis. Outros países que regulamentam a publicidade de alimentos e bebidas não saudáveis são México, Brasil, Bolívia, Equador e Peru. Uma revisão de 23 estudos (6 no Chile, 5 no México, 4 no Brasil, 3 entre indivíduos hispânicos vivendo nos EUA e 1 na Argentina, Peru, Colômbia, Honduras e Venezuela) sobre publicidade de alimentos dirigida a crianças na TV encontrou uma alta exposição de alimentos anunciados para crianças e suas famílias, o que tem sido associado à preferência e compra de alimentos não saudáveis ​​e à ocorrência de sobrepeso e obesidade. A evidência sobre a efetividade desta estratégia também é considerada média.

Em relação aos programas de alimentação escolar apenas alguns estudos estão avaliando o efeito dos programas nas escolas. Uma revisão sistemática incluindo 21 estudos com diferentes tipos de intervenções educativas direcionadas para crianças (campanhas nutricionais, sobre atividade física e de mudanças ambientais) na América Latina constatou que abordagens mistas, combinando os três focos, foram as intervenções mais efetivas. A evidência sobre o efeito desta estratégia também é considerada média.

Já em relação a regulação do ambiente escolar, a alteração dos ambientes alimentares pode ter uma forte influência na população em idade escolar e pode levar a alterações nas preferências alimentares e no estado nutricional. Essas políticas foram implementadas em vários países, mas diferem em sua legislação e rigor. Além disso, foram encontrados alguns obstáculos em sua implementação, como no México, com a forte oposição da indústria alimentícia, e estudos constatando falta de espaço e medidas de segurança alimentar e nutricional ou estrutura nas escolas para implementar essas políticas. As evidências sobre a efetividade dessa estratégia são consideradas fracas, pois os estudos são muito limitados.

Poucos estudos avaliam programas de prevenção da obesidade com promoção de atividade física

Quanto aos programas de promoção da atividade física, uma revisão global do impacto de tais políticas sobre a obesidade referiu que indivíduos que vivem em comunidades com ambientes propícios à prática de caminhadas, com acesso a parques e outras áreas recreativas, com instalações esportivas ou espaços para recreação nas escolas e maior acesso a escadas, estavam todos associados a níveis mais elevados de atividade física. Na América Latina, poucos estudos avaliam esses programas. As evidências sobre o efeito dessa estratégia também são consideradas fracas, pois os estudos são muito limitados.

Quanto aos esforços para reduzir a gordura ou sódio em alimentos, na Argentina, uma lei foi promulgada em 2013 para regular os níveis máximos de sódio em produtos cárneos, alimentos farináceos e sopas, caldos e molhos. Em um estudo realizado em 2019, mais de 90% dos produtos alimentícios incluídos na lei estavam em conformidade. A evidência sobre a efetividade desta estratégia também é considerada fraca.

Por fim, em relação aos programas de educação alimentar e nutricional, no Chile, a campanha 5-A-Day foi testada em uma amostra de adultos (n= 1897), descobrindo após 1 ano que a lembrança quanto aos materiais educativos foi alta e que a proporção de pessoas que dizia consumir 3– 4 porções por dia de frutas e hortaliças aumentou de 49% para 51%. Outro estudo no Chile constatou que, 9 meses após a implementação do programa Santiago Sano, 22% dos participantes melhoraram seu estado nutricional. A evidência sobre a efetividade desta estratégia também é considerada fraca.

Os autores concluem que os países latino-americanos incluídos na revisão vêm elaborando e implementando importantes programas de saúde pública para a prevenção da obesidade, entretanto, é necessário conduzir avaliações robustas de programas e iniciativas, coletando dados populacionais antes destes serem e avaliando o impacto após a implementação. Além disso, é necessário implementar e dar continuidade a programas e políticas intersetoriais bem-sucedidos que abordem tanto a desnutrição quanto o excesso de peso.

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