Tem sido observado aumento na prevalência do excesso de peso na primeira infância, , especialmente nas áreas mais pobres do Brasil, o que parece estar relacionado a uma insegurança alimentar domiciliar. Uma recente revisão sistemática, publicada em 2021, sugeriu que fatores como o Índice de Massa Corporal (IMC) pré-gestacional, tipo de parto, paridade, cuidados com a saúde na gestação, peso ao nascer, amamentação, introdução alimentar e práticas alimentares maternas, como consumo de alimentos ultraprocessados, estão associados com o maior risco de obesidade infantil.
O estudo teve como objetivo investigar a incidência e os fatores de risco associados ao excesso de peso em crianças de baixa renda durante o primeiro ano de vida. O estudo foi baseado nos dados coletados no Projeto SAND (sigla para “Saúde, alimentação, nutrição e desenvolvimento infantil”, em português) e se tratou de uma coorte prospectiva com o objetivo de investigar aspectos da saúde, alimentação, nutrição e desenvolvimento infantil durante o primeiro ano de vida da criança, além de práticas de alimentação materna.
O estudo ocorreu no município de Rio Largo – Alagoas, região Nordeste do Brasil. Durante os 12 meses de seguimento, a coleta de dados aconteceu na maternidade (ao nascimento) e através de visitas domiciliares no 3º, 6º e 12º mês de vida da criança. Foram elegíveis mães com residência em Rio Largo, sem alterações de fala/linguagem ou diagnóstico de HIV/Aids, cujos bebês nasceram após 35 semanas de gestação e sem condições clínicas de saúde que pudessem prejudicar o início da amamentação ou alimentação complementar. Além disso, os bebês com peso ao nascer acima de 4kg também foram excluídos.
A variável desfecho foi definida como o tempo (em dias) até o desenvolvimento do excesso de peso. As crianças foram classificadas com sobrepeso quando Z escore do IMC/idade foi maior que dois desvios padrões, de acordo com as curvas de crescimento da Organização Mundial de Saúde. As características socioeconômicas foram examinadas por nível econômico, situação de segurança alimentar e nutricional e participação no “Programa Bolsa Família – PBF”. As características maternas foram analisadas segundo idade, estado civil, escolaridade e IMC pré e pós-gestacional. A ingestão alimentar materna foi avaliada por meio do questionário de frequência alimentar (QFA). Os alimentos foram categorizados como ultraprocessados (AUP), com base no sistema de classificação NOVA, e o consumo dicotomizado entre ≤ ou > 4/dia. As variáveis relacionadas à criança foram: peso ao nascer, uso de fórmula infantil na maternidade, número de irmãos e uso de mamadeira ou chupeta. O aleitamento materno exclusivo (AME) foi definido com o lactente que recebeu apenas leite materno e foi dicotomizado entre AME ≤ 30 dias e AME > 30 dias. O aleitamento materno (AM) foi definido como a criança que recebeu leite materno e qualquer outro alimento ou líquido. A duração do AM foi dicotomizada entre < 180 dias e ≥ 180 dias.
Um total de 196 crianças e mães foram acompanhadas pelo estudo, sendo a maioria das famílias de baixa renda (67,9%), com alta frequência de mães cadastradas no PBF (53,4%) e vivendo em insegurança alimentar (46,1%). A frequência de baixo peso ao nascer foi de 6,1% e cerca de 40% das crianças receberam fórmula infantil na maternidade. A prevalência de AME aos 30 dias foi de 51,5% e de AM aos 6 meses, de 37,2%. A incidência de excesso de peso foi aproximadamente 17 eventos/100 crianças ao ano. A duração do AME, o IMC pré-gestacional materno e o consumo de AUP foram associados à incidência de sobrepeso infantil. O modelo de regressão ajustado mostrou que crianças que foram amamentadas exclusivamente até 30 dias (versus > 30 dias) e cujas mães consumiam AUP mais de quatro vezes ao dia (versus < 4 vezes/dia) apresentaram maior risco de desenvolver sobrepeso no primeiro ano de vida.
Os resultados encontrados corroboram com a literatura, que tem sugerido que crianças mais pobres têm aumento do risco de sobrepeso, fato que está associado à maior frequência de desmame precoce e introdução de alimentos inadequados para a idade. Uma vez que a autonomia e influência da criança nas escolhas familiares são muito limitadas no primeiro ano de vida, sugere-se que a qualidade e disponibilidade da alimentação no domicílio pode vir antes das práticas alimentares da criança na relação causal com a obesidade. O aparecimento precoce de excesso de peso em famílias de baixa renda destaca a urgência de políticas e ações com foco na proteção das crianças contra o excesso de peso.