Padrões de consumo intradomiciliar de bebidas não alcoólicas

Matriz para Organização dos Cuidados em Alimentação e Nutrição na Atenção Primária à Saúde
25 de fevereiro de 2022
Evolução das ações de nutrição na Atenção Primária à Saúde
15 de março de 2022

Cada vez mais atenção está sendo dada às políticas regulatórias que visam reduzir o consumo de alimentos e bebidas não saudáveis, particularmente bebidas açucaradas. Tratam-se de mecanismos importantes para atingir os fatores determinantes da compra e do consumo de alimentos e bebidas, embora seus efeitos sejam marcados por complexidade, podendo variar ao longo da vida e por contexto sociodemográfico.

Pré-adolescentes são altamente suscetíveis a fatores relacionados ao ambiente doméstico, tendo pouca autonomia para compra fora de casa, vivenciando um momento crucial de instauração de gostos e hábitos alimentares. Uma importante área de estudo que vem sendo trabalhada traz a discussão sobre até que ponto os padrões de consumo de alimentos e bebidas dos adultos influenciam os das crianças em sua casa.

Um estudo teve por objetivo analisar o consumo domiciliar de bebidas não alcoólicas na Grã-Bretanha, com especial enfoque no consumo de bebidas açucaradas e nas relações de consumo entre os diferentes membros da família: entre crianças e adultos, e entre crianças de diferentes idades. O impacto das variáveis ​​sociodemográficas sobre esses padrões de consumo também foi investigado, bem como os diversos tipos de bebidas não alcoólicas que poderiam ser consumidos de forma diferente pelos membros do domicilio.

O estudo foi realizado em setembro de 2017 e examinou os efeitos do enquadramento e a sinalização dos impostos sobre bebidas açucaradas na sua escolha. Os dados incluíam perguntas sobre consumo autorreferido no domicílio.

A pesquisa foi realizada on-line, a partir de uma amostra aleatória de 603 domicílios (compreendendo 1.344 adultos e 1.104 crianças) selecionados do painel de domicílios da Kantar Fast Moving Consumer Goods (FMCG) na Grã-Bretanha. Este é nacionalmente representativo em relação à região geográfica, idade do principal comprador, tamanho do domicílio e status socioeconômico ocupacional.

A amostra foi restrita aos domicílios que compraram mensalmente pelo menos 2 litros de bebidas não alcoólicas durante os 6 meses anteriores à pesquisa e que tinham pelo menos um filho menor de 18 anos de idade. Os participantes que atenderam a esses dois critérios foram selecionados aleatoriamente e convidados a participar  do estudo. O inquérito foi disponibilizado a 780 domicílios através de um weblink. O link de uso único para a pesquisa foi enviado ao principal comprador do domicílio. A pesquisa foi realizada durante um período de 10 dias, em setembro de 2017, sob responsabilidade da Kantar, que coletou os dados da pesquisa e forneceu outros dados sociodemográficos.

Os entrevistados foram solicitados a indicar o número de pessoas no domicílio em quatro categorias de faixa etária (adultos com mais de 18 anos, crianças de 0 a 6 anos, crianças de 7 a 12 anos, e crianças de 13 a 18 anos), assim como informar e o consumo das seguintes bebidas : refrigerante normal; refrigerante com baixo teor de açúcar, suco 100% de frutas ou smoothie; ou água (com ou sem gás).

Bebidas açucaradas e com baixo teor ou sem açúcar/adoçantes dietéticos incluem refrigerantes ou sucos e bebidas concentradas. Bebidas açucaradas contêm açúcar adicionado, bebidas com baixo teor ou sem açúcar utilizam adoçantes não calóricos e sucos de frutas e smoothies puros contêm açúcar natural sem açúcar adicional.

As características sociodemográficas avaliadas no estudo compreenderam: tamanho da família, status socioeconômico em três categorias (alto, médio e baixo), renda familiar, região de residência e maior qualificação. O IMC foi calculado a partir de informações autorreferidas sobre altura e peso e agrupado em categorias de peso adequado (IMC < 25), sobrepeso (IMC 25–29,9) e obesidade (IMC 30 ou acima).

A maioria dos núcleos familiares (62%) era constituída por 4–5 pessoas. Uma pequena proporção era composta por famílias monoparentais (7%) e quase uma em cada quatro famílias tinha mais de dois adultos (23,8%). Um terço das famílias tinha pelo menos uma criança de 0 a 6 anos (32,3%) e mais da metade tinha pelo menos uma criança de 7 a 12 anos (51,7%) e uma criança de 13 a 18 anos (55,4 %). Mais de metade dos núcleos familiares estavam no grupo de status socioeconômico médio (51,7%) e dois terços ganhavam mais de 20 mil euros por ano (68,8%). Quase metade dos participantes tinha idade entre os 40 e os 49 anos (47,3 %). Daqueles que informaram altura e peso (75,5 % da amostra), 24,1 % apresentavam  sobrepeso e outros 19,4%, obesidade. Trata-se de uma prevalência menor de sobrepeso e obesidade do que na população geral do Reino Unido no momento da pesquisa – em 2016, 64% dos adultos apresentavam excesso de peso.

O estudo encontrou uma clara associação entre o aumento da idade e o consumo de bebidas açucaradas, com o consumo dobrando quando as crianças têm 13-18 anos, em comparação com as menores de 6 anos. No entanto, bebidas com baixo teor ou sem açúcar foram a categoria de bebidas dominante com consumo consistentemente alto em diferentes faixas etárias, inclusive entre os mais jovens. Assim, uma maior proporção de domicílios com entrevistados mais velhos relatou consumir bebidas açucaradas (refletindo o maior consumo de refrigerantes por crianças mais velhas nesses domicílios), e uma maior proporção de domicílios com entrevistados mais jovens relatou consumir bebidas com baixo teor ou sem açúcar (refletindo o maior consumo de bebidas com baixo teor ou sem açúcar por crianças mais novas nestes agregados familiares).

O consumo geral de bebidas açucaradas foi maior entre os adultos com ensino superior, em comparação com aqueles com apenas ensino médio ou outro/sem educação. Da mesma forma, uma proporção maior de famílias de baixa renda tinha crianças de qualquer idade que consumiam bebidas com baixo teor ou sem açúcar, em comparação com famílias de renda média ou alta. Esses achados podem refletir em uma tendência de favorecimento ao consumo de bebidas “naturais” contendo açúcar/sacarose em vez de bebidas adoçadas artificialmente nos estratos com maior escolaridade. Também pode ser que os adultos mais instruídos estejam mais conscientes das evidências divergentes e inconclusivas em torno dos impactos na saúde decorrentes do consumo de adoçantes artificiais.

O consumo de bebidas açucaradas e bebidas com baixo teor ou sem açúcar pelas crianças foi diretamente relacionado ao consumo destas pelos adultos: uma criança na adolescência tinha mais de nove vezes mais chances de consumir bebidas açucaradas e oito vezes mais chances de consumir bebidas com baixo teor ou sem açúcar se os adultos do domicílio tivessem tal prática. Nos domicílios com vários filhos, os padrões de consumo dos irmãos mais velhos foram associados aos dos mais novos, notando-se uma alta correlação entre crianças de 0 e 6 anos consumindo bebidas açucaradas se irmãos de 13 a 18 anos o fizessem, e crianças de 7 a 12 anos tinham 22 vezes mais chances de consumir bebidas açucaradas se irmãos de 13 a 18 anos o fizessem.

Considerando tais achados e o conjunto de evidências disponíveis, fica claro que são necessárias múltiplas políticas para reduzir e prevenir o consumo de bebidas açucaradas, direcionadas tanto para crianças quanto para adultos, como alavancas fiscais e restrições de propaganda.

 

Compartilhar

Deixe uma resposta

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *