Artigo – Padrões de práticas culinárias “saudáveis”, “usuais” e “convenientes”: como influenciam o consumo alimentar das crianças?

Artigo “Associação entre habilidades e comportamento de preparação de alimentos em casa e consumo de alimentos ultraprocessados: análise transversal da Pesquisa Nacional da dieta e nutrição do Reino Unido (2008–2009)”
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Nas últimas décadas, a aquisição de alimentos usualmente empregados na culinária, como alimentos in natura ​​ou minimamente processados e ingredientes culinários (como sal, açúcar e óleos), vem diminuindo significativamente e está acompanhada pelo aumento das vendas de alimentos ultraprocessados (formulações industriais feitas a partir de substâncias derivadas de alimentos, que requerem pouco ou nenhum preparo antes do consumo).

Embora a disponibilidade domiciliar de alimentos seja um importante determinante do consumo alimentar, não é apenas a disponibilidade crescente de alimentos ultraprocessados ​​que explica por que as famílias os procuram. A culinária doméstica envolve um conjunto complexo de elementos e atividades físicas e mentais, desde a compra de ingredientes, planejamento de refeições, escolha de equipamentos e de utensílios de cozinha, domínio de diferentes habilidades e técnicas culinárias, combinação e cozimento de diferentes alimentos nas refeições, até a limpeza dos utensílios. Além disso, a preparação de comida em casa continua centrada na figura feminina, que concentra os desafios da sobrecarga de trabalho, visto que as atividades tendem a não ser divididas entre os moradores da casa, e um menor interesse ou possibilidade de preparar as refeições em casa, levando muitas famílias a dependerem de refeições pré-preparadas e prontas para comer, a fim de economizar tempo e dedicação na cozinha.

Com isso, a prática da culinária doméstica deve ser considerada um dos determinantes do consumo alimentar entre as populações e esta tem sido alvo de interesse por estudos na área de alimentação e nutrição em saúde pública. Para promover a compreensão dessas práticas e fortalecer as evidências sobre a culinária no contexto latino-americano, um estudo publicado em 2020 teve como objetivo identificar os padrões de práticas culinárias domésticas em uma amostra de adultos brasileiros responsáveis ​​pela alimentação de suas famílias e avaliar a associação entre estes padrões e o consumo de alimentos ultraprocessados ​​pelas crianças destas famílias.

Trata-se de um estudo transversal realizado com 551 pares adulto-criança da cidade de São Paulo, Brasil. O consumo alimentar das crianças foi coletado por meio de recordatórios alimentares. As práticas culinárias de adultos foram identificadas por meio de questionário desenvolvido para o contexto brasileiro. Os principais responsáveis pelo preparo das refeições no domicílio eram, em sua maioria, mulheres (93,1%) entre 31 e 41 anos (61,7%), brancas (61,5%), casadas (88,0%), com ensino médio completo (54,7%), com um filho/família (63,6%) e renda familiar entre R$ 1.217,04 e R$ 4.475,87/mês (57,0%).

Foram identificados três padrões de práticas culinárias: “Saudável”, “Usual” e “Conveniência”. Os primeiros dois padrões refletem os comportamentos das pessoas que, em sua maioria, praticam a culinária doméstica e cozinham “do zero”, ou seja, são responsáveis por toda a preparação das refeições. O padrão “Saudável” (que envolvia elementos como confiança para cozinhar várias refeições usando alimentos frescos e temperos naturais; e técnicas de cozimento mais saudáveis) foi inversamente associado ao consumo de alimentos ultraprocessados ​​(β = −4,1; p = 0,002), enquanto o padrão de “Conveniência” (menos frequência e tempo para cozinhar, uso de micro-ondas e refeições prontas para aquecer) associou-se positivamente ao consumo de alimentos ultraprocessados (β = 3,6; p = 0,008). O padrão “usual” não foi associado ao consumo de alimentos ultraprocessados pelas crianças. Ao avaliar a adesão média de cada padrão de acordo com as características sociodemográficas, verifica-se uma maior adesão do grupo de renda mais alta ao padrão “saudável”, quando comparado ao grupo de renda mais baixa. Há também uma maior adesão ao padrão de “Conveniência” nas categorias mais altas de educação de adultos e renda familiar.

Os resultados encontrados sugerem que cozinhar em casa, como ação isolada, não é suficiente para proteger o consumo de alimentos ultraprocessados. Para promover a alimentação saudável entre as crianças, as práticas culinárias dos adultos devem estar alinhadas à confiança no preparo das refeições feitas “do zero”, a partir de alimentos in natura ou minimamente processados e ingredientes culinários. Tais achados reforçam a necessidade de ações e políticas públicas pautadas em práticas que valorizem, incentivem e apoiem práticas culinárias saudáveis, ao mesmo tempo em que desestimulam a substituição de refeições à base de alimentos in natura ou minimamente processados por alimentos ou refeições ultraprocessadas. Esse contexto posiciona as cozinhas das casas como espaços privilegiados para a promoção e proteção da alimentação adequada e saudável entre as famílias brasileiras.

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