A imagem corporal pode ser definida como a representação do nosso próprio corpo formada na nossa mente e a forma como esta é incorporada a nossos pensamentos, sentimentos e emoções. Essa representação pode ser influenciada por características individuais e sociais, como sexo, idade, raça e status socioeconômico e cultural. Os meios de comunicação, particularmente as redes sociais, podem influenciar negativamente a imagem corporal pela exposição e adoração de estereótipos de corpos perfeitos.
O conceito de imagem corporal é captado por duas dimensões: atitudinal e de percepção. A dimensão atitudinal envolve sentimentos individuais que expressam gosto ou aversão pelo corpo, ou seja, (in)satisfação com a imagem corporal. Essa dimensão também inclui um componente comportamental, expressando atitudes adotadas em decorrência da representação da imagem corporal, como o consumo de alimentos. A dimensão perceptiva pode ser definida como a presença ou ausência de distorção na identificação do tamanho corporal.
Como o consumo de alimentos também sofre múltiplas influências e é um fator comportamental importante na saúde, estudos sugerem uma relação entre imagem corporal e padrões e hábitos alimentares. A insatisfação com a imagem corporal e a percepção distorcida da imagem corporal têm sido associadas a diversos comportamentos e desfechos em saúde adversos, como estado nutricional desfavorável, depressão, práticas extremas de controle de peso e transtornos alimentares.
Tradicionalmente, os estudos que avaliam a relação entre consumo alimentar e desfechos em saúde têm analisado a influência de itens alimentares específicos ou de nutrientes. Esta abordagem parece ser insuficiente, dada a complexidade das doenças não transmissíveis (DCNT) e as mudanças no sistema alimentar global. Para fornecer uma compreensão mais profunda dos padrões alimentares atuais, foi desenvolvido um sistema de classificação de alimentos (classificação NOVA) que leva em consideração a extensão e a finalidade do processamento industrial de alimentos.
Nesse contexto, um estudo publicado em 2020 teve como objetivo avaliar a associação entre (in)satisfação e percepção da imagem corporal e o consumo alimentar, segundo a classificação NOVA, que leva em consideração a extensão e o propósito do processamento industrial de alimentos. Uma escala de silhueta desenvolvida e validada considerando o Índice de Massa Corporal de adultos brasileiros foi utilizada para avaliar (in)satisfação e percepção da imagem corporal. O consumo alimentar foi avaliado por meio do Questionário de Frequência Alimentar, e seus itens foram categorizados em três grupos: alimentos in natura ou minimamente processados e preparações culinárias; alimentos processados; alimentos ultraprocessados. A associação foi avaliada por meio de modelos de regressão linear.
Foram avaliados 514 trabalhadores de uma universidade brasileira. Mais da metade da população (51,9%) era do sexo feminino e com idade entre 45–59 anos (62,5%). Em relação à raça/cor da pele, 49,1% dos participantes se autodeclararam brancos. Em relação à escolaridade, 54,9% atingiu nível educacional superior ou superior. A maioria da população tinha renda de 3 a 6 salários mínimos (40,3%). Em relação ao estado nutricional, a maioria da população apresentava sobrepeso (41,6%).
Em relação à insatisfação com a imagem corporal, 72,3% dos participantes estavam insatisfeitos devido ao excesso de peso. Nenhuma diferença foi encontrada entre sexos. No que diz respeito à percepção, mais da metade da população superestimou seu tamanho corporal, sendo que a frequência foi maior entre mulheres (64,3%) do que homens. Entre os homens, 52,8% não apresentaram distorção. A maior participação de energia consumida foi derivada de alimentos não processados ou minimamente processados e preparações culinárias à base desses alimentos (59,9%), seguidas de alimentos ultraprocessados (26,6%).
Mulheres insatisfeitas devido ao excesso de peso tiveram uma alimentação com menor participação de alimentos in natura ou minimamente processados e preparações culinárias (−6,6, IC 95%: -10,7; −2,5) e maior de alimentos ultraprocessados (3,7, IC 95%: 0,1; 7,2) em comparação com àquelas satisfeitas. Mulheres que superestimaram seu tamanho corporal consumiram menos alimentos in natura ou minimamente processadas e preparações culinárias (−4,2, IC 95%: -7,3; −1,1), em comparação com aquelas que não apresentavam imagem corporal distorcida. O consumo alimentar parece estar mais fortemente associado à insatisfação com a imagem corporal do que à percepção.
Neste estudo, (in)satisfação e percepção da imagem corporal estiveram associadas ao consumo alimentar. Houve associação entre superestimação do tamanho corporal e insatisfação devido ao excesso de peso em mulheres e menor consumo de alimentos saudáveis. Além disso, neste estudo transversal, a insatisfação pelo excesso de peso nas mulheres foi associada ao maior consumo de alimentos ultraprocessados, sugerindo que esse grupo pode ter maior probabilidade de adotar hábitos alimentares não saudáveis em decorrência da imagem corporal negativa.
A imagem corporal e o consumo alimentar podem ser modificados. Neste sentido, destaca-se a importância da implementação de estratégias direcionadas aos alimentos ultraprocessados, como a “desglamourização” destes e a regulação de sua publicidade, por exemplo, podem contribuir para reduzir seus efeitos deletérios à saúde e potencializar a qualidade de vida da população. Ao mesmo tempo, são necessárias ações que impeçam à supervalorização de corpos magros e o estigma da obesidade.
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