Patrocínio de empresas do setor de alimentação e bebidas no futebol brasileiro

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O futebol é a modalidade esportiva mais assistida no mundo, com competições que atingem audiências de 4,7 bilhões de expectadores. A popularidade do futebol o torna um segmento esportivo potencial para investimentos em marketing. No Brasil, em 2018, o setor de esportes, ficou na 3ª posição do ranking entre os 10 setores com maior número de novos anunciantes publicitários, sendo o setor de alimentação o que mais patrocinou instituições, o terceiro em volume de marcas que patrocinaram clubes de futebol. Dentre as principais empresas desses segmentos patrocinadoras do esporte, estão as de produtos não saudáveis, como os alimentos e bebidas ultraprocessados.

Esse tipo de prática é crítica do ponto de vista de saúde pública, uma vez que a aproximação entre alimentos e bebidas ultraprocessados, incluindo as bebidas alcoólicas, e esporte pode gerar o entendimento de que esses produtos estão ligados a um bem-estar geral, como saúde, lazer e atividade física.

O patrocínio de empresas de alimentos e bebidas ultraprocessados é uma prática de marketing comum no esporte, capaz de influenciar os consumidores e decisões políticas e econômicas. Entre as estratégias mais comumente utilizadas nesse setor na América Latina, destacam-se a formulação de políticas de lobby, o reforço da importância econômica da indústria, a criação de debates favoráveis a questões relacionadas à saúde pública dotados de conflitos de interesse e o estabelecimento de relações com decisores políticos.

Ainda, o sucesso das práticas comerciais e políticas da indústria de alimentos e bebidas ultraprocessados, incluindo os efeitos do marketing, tem reflexo no aumento do volume global de vendas desses produtos e, consequentemente, em seu consumo e essas mudanças estão associadas à piora da alimentação e do estado nutricional da população, assim como a impactos desfavoráveis no sistema alimentar global. Nesse contexto, um estudo objetivou identificar o perfil do patrocínio de empresas do setor de alimentação e bebidas dos clubes pertencentes à Série A do Campeonato Brasileiro de futebol em 2018 e analisar a associação da ocorrência desse patrocínio com características dos clubes.

A amostra contemplou as empresas patrocinadoras dos 20 clubes da Série A do Campeonato Brasileiro em 2018. A categoria de empresas de alimentos foi sub classificada segundo extensão e propósito de processamento industrial dos alimentos, de acordo com a classificação NOVA, adotada no Guia Alimentar para a População Brasileira em: alimentos “in natura ou minimamente processados” e “ultraprocessados”. A subcategoria “ultraprocessados” foi ainda subdividida em: “bebidas ultraprocessadas” e “outros ultraprocessados”. Não foram identificadas marcas de “ingredientes culinários” ou “alimentos processados” como patrocinadores dos clubes. No caso de empresas que ofertavam alimentos dos dois tipos de classificação utilizada – in natura ou minimamente processados e ultraprocessados, foi considerada aquela de maior predominância.

Foram obtidas informações a respeito do número de títulos na Copa Libertadores da América, no Campeonato Brasileiro e nos campeonatos estaduais; tempo de história; região do Brasil; número de torcedores e receitas de patrocínios/publicidade e de direito de transmissão na TV. Os dados foram obtidos dos sites das empresas, dos sites oficiais dos clubes e em sites de conteúdo jornalístico de futebol no Brasil.

Os clubes da Região Sudeste representaram mais da metade (55%) dos clubes avaliados e cerca de 70% dos clubes são centenários. Apenas cinco clubes (25%) não possuem títulos do Campeonato Brasileiro, dois (10%) possuem menos de 10 títulos estaduais, e metade dos clubes (50%) não possui títulos da Copa Libertadores da América. Os clubes com maior número de torcedores foram classificados entre os cinco mais bem colocados no campeonato em 2018, com exceção do Corinthians, que ocupou a 13ª posição. Evidenciou-se que, independentemente da posição ocupada pelos clubes nesse campeonato, os investimentos de patrocínios/publicidade e das receitas por direito de transmissão em TV são da unidade de milhões de reais, e, para todos os 20 clubes, essas receitas somam aproximadamente 2,5 bilhões de reais.

Foram identificados 280 patrocinadores, com repetição de patrocinadores entre os clubes, dos quais, 11,5% eram do setor de alimentos e 2% de serviços de alimentação. Dentre esses primeiros, a subcategoria de alimentos in natura ou minimamente processados foi responsável por 2,2% dos patrocínios, e a de ultraprocessados, por 9,4%, sendo 6,7% de bebidas ultraprocessadas e 2,6% de outros ultraprocessados. A categoria de bebidas alcoólicas representou 6,4% dos patrocinadores. O patrocínio pela categoria de ultraprocessados foi mais prevalente entre os clubes com maior número de títulos no Campeonato Brasileiro e na Copa Libertadores da América e entre aqueles com maior número de torcedores e volume de receitas de patrocínios/publicidade e por direito de transmissão de seus jogos na TV.

Além disso, as empresas de bebidas ultraprocessadas patrocinaram mais clubes com maior volume geral de receitas de patrocínios/publicidade e maior volume de receitas por direito de transmissão por emissoras de TV. As empresas de serviços de alimentação, por sua vez, patrocinaram mais os clubes com maior volume geral de receitas de patrocínios/publicidade.

Em relação à prevalência de patrocínios por empresas, aquelas pertencentes à categoria de bebidas alcoólicas patrocinaram 16 dos 20 clubes estudados, com destaque para a Brahma que patrocinou 15 desses. Em seguida, destacou-se a subcategoria de bebidas ultraprocessadas, especialmente a Gatorade e a Bioleve que patrocinaram, respectivamente, 9 e 5 dos 20 clubes analisados.

Em outros países, análises do perfil dos patrocinadores no esporte já foram realizadas, e o cenário identificado foi semelhante.

Os autores concluem que o patrocínio dos principais clubes do futebol brasileiro possui presença significativa de empresas de alimentos e bebidas não saudáveis, sobretudo, das bebidas ultraprocessadas. As características dos clubes estão associadas com a natureza dos patrocinadores, sendo prevalente o patrocínio de empresas de ultraprocessados em clubes de destaque em competições nacionais e internacionais, maior número de torcedores, maior volume geral de receitas de patrocínios/publicidade e por direito de transmissão em emissoras de TV. Nesse sentido, a regulação das práticas de marketing nos patrocínios no cenário do esporte é uma medida necessária para minimizar as externalidades em saúde ocasionadas pelo impacto do marketing de alimentos.

Para ler o artigo na íntegra, clique aqui.

 

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