Doenças crônicas e mudanças climáticas – qual a relação?
Para abordar problemas de saúde de importância crescente em todas as sociedades, como as Doenças Crônicas Não Transmissíveis (DCNT), que incluem doenças cardiovasculares, respiratórias, câncer, obesidade, é necessário ir da pesquisa à ação no sentido de sua prevenção. Ainda, por causa de seu enorme impacto, atenção especial deve ser dada às mudanças climáticas e seus efeitos na saúde, especialmente em contextos urbanos.
Como os desafios enfrentados (principalmente as mudanças climáticas) são de natureza complexa, multidisciplinar e estrutural, que transcende as fronteiras dos países, enfrentá-los requer planejamento estratégico e intervenções estruturais (ou seja, aquelas que mudam o contexto social mais amplo), não apenas no âmbito regional e nacional, mas também em nível supranacional, senão global.
Mudanças climáticas e medidas preventivas contra DCNT: é preciso ir da pesquisa à ação
Considerando que as DCNT representam globalmente 70% de todas as causas de mortalidade, as intervenções preventivas podem oferecer boas oportunidades para prolongar anos de vida com boa saúde e, portanto, também a produtividade econômica, reduzindo os gastos em saúde.
Até agora, a abordagem de prevenção mais comumente adotada tem sido realizada em nível individual, como o aconselhamento médico. Embora as medidas baseadas no indivíduo sejam necessárias, elas têm sido consideradas insuficientes e, em algumas situações, exacerbam as desigualdades, com maior adesão por aqueles em estratos sociais de maior nível educacional (em parte devido a barreiras financeiras).
A prevenção de doenças deve, portanto, ser realizada por uma combinação de intervenções individuais e estruturais que beneficiem todos os setores da sociedade, inclusive por meio de políticas como o planejamento urbano, para facilitar o transporte ativo (por exemplo, caminhar e andar de bicicleta) ou a promoção de alimentação saudável e sustentável. Essas intervenções também oferecem benefícios em termos de mitigação das mudanças climáticas, levando a uma situação ganha-ganha, por meio dos chamados ‘cobenefícios’.
Itália: estratégias de prevenção à DCNT e a ameaça das mudanças climáticas
Um artigo derivado de um documento encomendado em 2019 pelo Ministro da Saúde italiano descreve uma estratégia geral para a prevenção primária de DCNT na Itália, com foco especial nos cobenefícios da mitigação das mudanças climáticas. O artigo apresenta uma proposta de política baseada em princípios científicos que sustentam os programas de prevenção primária na Itália, considera a ameaça iminente das mudanças climáticas e descreve uma série de objetivos prioritários a serem perseguidos por meio da colaboração em diferentes setores (transporte, educação, alimentação e agricultura). Além disso, inclui métodos de monitoramento e avaliação para identificar o cumprimento desses objetivos.
Embora a Itália seja signatária dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) e do Acordo Verde da União Europeia (UE), esses planos não foram claramente formalizados na agenda política do país, exceto (parcialmente) no Plano Nacional de Prevenção 2020-2025 e no Plano Nacional de Energia e Clima. Os autores do artigo entendem que as conexões são episódicas, ao invés de orgânicas, e que uma estratégia mais coesa é necessária.
Na Itália, a expectativa de vida ao nascer aumentou significativamente nas últimas três décadas, no entanto, como é o caso em outros países de renda alta, uma vida mais longa é acompanhada por deficiências, bem como a necessidade de cuidados de longo prazo (o que aumenta os custos do estado de bem-estar) e está associada a uma maior pegada de carbono individual.
Pesquisadores apontam: enfrentar as mudanças climáticas é a ‘maior oportunidade de saúde global do século 21’
Em relação à política dos cobenefícios, o Relatório Especial sobre o Aquecimento Global de 2018 do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas prevê que os níveis atuais de emissões de CO2 farão com que o mundo alcance um aquecimento de 3 °C a 5 °C até o final do século. Portanto, as emissões devem ser reduzidas em 45% até o ano de 2030, em comparação com os níveis de 2010, e chegar a zero até 2050 para limitar o aquecimento global a 1,5 °C, o que seria mais seguro.
Sendo assim, qualquer ação tomada para mitigar as mudanças climáticas (e a poluição do ar associada) poderá beneficiar a saúde das gerações futuras. Além disso, várias ações de mitigação das mudanças climáticas teriam efeitos positivos adicionais na saúde, levando a situações em que todos ganham por meio de cobenefícios. Por exemplo: a redução das emissões de gases de efeito estufa reduziria simultaneamente a poluição do ar, grande parte da qual vem da queima de combustíveis fósseis; a poluição do ar, e principalmente seu componente particulado menor (conhecido como material particulado (PM2.5), está ligada ao aumento da morbimortalidade relacionada ao câncer de pulmão, doenças cardiovasculares e respiratórias e uma grande proporção desta poluição é atribuída ao uso de energia no nível doméstico e às emissões do transporte terrestre. Segundo os autores, devido ao impacto dos cobenefícios e da prevenção de doenças associadas às mudanças climáticas, enfrentar as mudanças climáticas é a ‘maior oportunidade de saúde global do século 21’.
Planejamento urbano, alimentação e transporte impactam na prevenção das DCNT e nas mudanças climáticas
Dado que a ação contra as mudanças climáticas é feita principalmente por meio de escolhas energéticas, limitando o uso de combustíveis fósseis e promovendo fontes renováveis, uma estratégia eficaz é aquela em que as intervenções são projetadas para prevenir doenças e mitigar conjuntamente as mudanças climáticas. Para políticas capazes de produzir cobenefícios relevantes, foi dado enfoque paratrês categorias de intervenções: planejamento urbano, alimentação e transporte, que são de especial importância para as DCNT e as mudanças climáticas.
Foi proposto pelos autores que, para 2025, sejam alcançados os seguintes objetivos: reduzir a prevalência de fumantes em 30%, com destaque para os jovens; reduzir a prevalência da obesidade infantil em 20%; reduzir a proporção de calorias consumidas oriundas de alimentos ultraprocessados em 20%; reduzir o consumo de álcool em 10%; reduzir o consumo de sal em 30%; reduzir o consumo de bebidas açucaradas em 20%; reduzir o consumo médio de carne em 20%; aumentar as horas semanais de exercício em 10%. O objetivo é complementar a promoção da saúde individual com políticas estruturais (como planejamento urbano, tributação e incentivos) que as tornem mais efetivas e resultem na redução de desigualdades.
Combate às mudanças climáticas e prevenção de DCNT tem impacto também na economia do país
O Estado italiano gasta cerca de € 114 bilhões por ano em saúde e 5% deste montante financia o sistema comum de prevenção (pessoal e outros serviços, incluindo segurança alimentar e animal e exames médicos). Mais de 200 milhões são um fundo destinado a programas do Plano Nacional de Prevenção, ao qual cada região do país acessa uma parcela. Segundo os autores, esse valor deve ser substancialmente aumentado, levando-se em consideração que a prevenção tem um impacto positivo não só na saúde da população, mas também na economia. Além disso, encorajam fortemente a inclusão da prevenção primária em todas as políticas, à luz da filosofia de cobenefícios descrita.
O Plano Nacional de Prevenção italiano oferece uma oportunidade chave para estimular políticas intersetoriais (a partir da colaboração entre departamentos governamentais), injetar inovação em ações de prevenção e difundir a prática de avaliação não só de processos, mas de resultados, criando metas realistas para o futuro próximo.
Economia verde e maior integração entre os desafios da saúde e do meio ambiente são esperança para as próximas gerações
É importante destacar que muitos dos problemas abordados não podem ser considerados separadamente. O exemplo mais óbvio são as disparidades sociais, um tópico que cruza todos os outros: o tabagismo, por exemplo, é distribuído de forma desigual entre os grupos sociais, e a própria mudança climática tem maior impacto nos grupos mais desfavorecidos da sociedade (inclusive em países de alta renda). No entanto, pouca atenção tem sido dada à promoção da saúde e prevenção de doenças em setores desfavorecidos, e isso tende a consistir mais em intervenções estruturais do que em atividades educacionais ou incentivos econômicos.
A Itália, como todos os países da União Europeia, está desenvolvendo planos para o Fundo de Próxima Geração, que está centrado na economia verde e em uma maior integração entre os desafios da saúde e do meio ambiente. Os autores concluem que esperam que esta seja a ocasião para um repensar radical das estratégias econômicas e não apenas uma série de atividades limitadas e de curto prazo de apoio a determinados setores da economia.
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