Práticas de cuidado para pessoas com obesidade na Atenção Primária a Saúde no Rio de Janeiro

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Expansão da organização do cuidado para pessoas com obesidade na Atenção Primária

Nos últimos dez anos, o Ministério da Saúde vem se empenhando no enfrentamento da obesidade, a partir da implementação de políticas e elaboração de diretrizes para a organização do cuidado da obesidade em torno da criação das linhas de cuidado. A Linha de Cuidado (LC) é uma forma de organização da atenção, dos serviços e ações de saúde que buscam incorporar as melhores evidências disponíveis sobre protocolos, diretrizes terapêuticas e prática clínica multidisciplinar a serem desenvolvidos nos diferentes pontos da Rede de Atenção à Saúde (RAS). Sua implementação depende dos gestores e profissionais de saúde envolvidos, a fim de facilitar o acesso do usuário com excesso de peso às unidades e serviços no SUS.

No Brasil, os documentos oficiais que orientam a implementação da LC preconizam a coordenação pela Atenção Primária à Saúde (APS), que apresentou expansão crescente nos últimos anos, em especial pelo crescimento da Estratégia de Saúde da Família (ESF), e alcançou, em outubro de 2020, cobertura de 76,19% da população brasileira, 60,21% no estado do Rio de Janeiro e 47,92% no município do Rio de Janeiro. Dada a capilaridade e centralidade da APS na coordenação do cuidado, esta representa um ponto estratégico da RAS no cuidado aos indivíduos com sobrepeso e obesidade.

É necessário qualificar o cuidado a pessoas com obesidade

A análise dos modelos de assistência ao indivíduo com obesidade na APS aponta limites de ações pautadas no modelo biomédico, afirmando a necessidade e urgência de reorganizar os serviços de saúde e qualificar o cuidado a esses indivíduos. Neste caminho, a relevância da APS para as ações de cuidado relacionadas à obesidade tem sido destacada, ainda que aprimoramentos sejam indispensáveis para sua efetiva atuação.

Nesse contexto, um artigo teve como objetivo analisar e comparar os processos de trabalho e a disponibilidade de estrutura na APS para as práticas de cuidado direcionadas às pessoas com obesidade no estado e município do Rio de Janeiro. O estudo utilizou dados secundários do componente da avaliação externa disponíveis do Programa Nacional para Melhoria do Acesso e da Qualidade da Atenção Básica (PMAQ-AB).

O PMAQ-AB teve como principal objetivo induzir a ampliação do acesso e a melhoria da qualidade da Atenção Básica por meio da instituição de processos contínuos e progressivos que ampliem a capacidade das três esferas de governo em ofertar serviços com garantia de um padrão de qualidade comparável nacional, regional e localmente. O instrumento utilizado para a realização da avaliação externa é composto por módulos, e no estudo foram analisados os dados do Módulo I, que avalia a estrutura através de observação da Unidade Básica de Saúde (UBS), e do Módulo II, que descreve os processos de trabalho através de entrevistas com os profissionais das equipes de APS e de verificação de documentos na UBS, realizados nos períodos de 2011/2012 e 2013/2014, respectivamente.

O artigo organizou-se sob a perspectiva de Donabedian, que propôs um esquema sistêmico de análise que considera a tríade: estrutura, processo e resultado. No que se refere à estrutura, foram analisadas as variáveis relacionadas à presença do nutricionista, equipamentos e insumos disponíveis para a realização das práticas. Em relação aos processos de trabalho, foram examinadas as variáveis que descrevem as atividades concernentes às práticas de cuidado ou que favoreçam a realização destas. Também foram analisadas as variáveis sobre o cuidado específico das pessoas com obesidade, disponibilizadas apenas no 2º ciclo do PMAQ-AB.

No 1º ciclo do PMAQ- AB, na cidade do Rio de Janeiro, foram avaliadas 179 equipes de saúde no módulo I e 324 equipes no módulo II, e no estado, 1.830 e 1.047, respectivamente. No 2º ciclo, houve um aumento na quantidade de equipes e foram avaliadas 613 na cidade do Rio e 1.881 no estado. No 1ºciclo houve adesão limitada ao PMAQ-AB por parte dos municípios, podendo participar até 50,0% das equipes de saúde da família. No 2ºciclonão houve limite para o número de equipes, sendo possível recontratar todas as equipes do 1ºciclo e incluir novas equipes, com a adesão voluntária da gestão municipal, o que justifica o aumento da adesão de um ciclo para o outro.

A presença de nutricionista na equipe ampliada no estado e capital do Rio de Janeiro, respectivamente, foi relatada em 15,2% e 35,8% das equipes em 2011, e em 2013 por 72,7% e 44,8% das equipes, o que demonstra um crescimento importante na cidade e no estado, ficando longe, contudo, de alcançar os 100,0%.

A estrutura para o cuidado de pessoas com obesidade era melhor em 2013

De maneira geral, todos os equipamentos e insumos estavam disponíveis em quantidades maiores no ano de 2013. O aparelho de pressão foi o instrumento mais disponível, quando comparado aos demais analisados no estudo. A balança antropométrica, equipamento mais utilizado no monitoramento do estado nutricional da população, estava mais presente na versão que limita a mensuração do peso até 150,0 Kg em 2011, tanto no estado quanto no município; e em 2013, a balança de 200,0 Kg estava em maiores proporções, elemento importante para o cuidado de usuários com obesidade. O glicosímetro, fita métrica e tiras de reagente de medida de glicemia capilar apresentaram maior quantidade na cidade do Rio de Janeiro quando comparado ao estado, tanto em 2011 quanto em 2013.

A cidade do Rio de Janeiro apresentou proporções melhores que as do estado em todas as questões relacionadas ao cuidado das pessoas com obesidade

Em relação aos processos de trabalho realizados pelos profissionais da APS, os dados de 2011 mostram que aproximadamente 50,0% das equipes na cidade e estado do Rio de Janeiro não ofertavam ações para pessoas com obesidade, e embora essa proporção tenha sido reduzida em 2013, ainda permanecia elevada (42,3% no estado e 32,0% no município).

A proporção de realização de ações educativas e promoção da saúde para alimentação saudável foi maior na cidade do Rio de Janeiro do que no estado nos dois anos analisados, mas esta apresentou redução no 2º ciclo do PMAQ-AB, quando comparado ao 1º. A oferta deste mesmo tipo de ação para as doenças crônicas de forma geral (sem foco específico na obesidade) apresentou evolução positiva de um ciclo para o outro.

A atividade física foi mais incentivada e desenvolvida na UBS e/ou no território pelas equipes quando comparada às demais práticas corporais, tanto na cidade como no estado do Rio de Janeiro. A avaliação antropométrica aumentou no estado, mas reduziu-se entre as equipes da cidade do Rio de Janeiro. Já a avaliação nutricional apresentou resultado ainda pior, com redução nos dois períodos analisados e com mais de 70,0% das equipes em 2013 (no estado e cidade do Rio de Janeiro) relatando não realizar este tipo de avaliação.

Com relação a articulação intersetorial e ações no espaço escolar, uma elevada proporção de equipes afirmou realizar ações de segurança alimentar e promoção da alimentação saudável, aumentando no ano de 2013. As práticas corporais e atividade física no contexto do Programa Saúde na Escola (PSE) foram bastante presentes, com melhora nos períodos analisados e com mais de 64,0% das equipes ofertando estas atividades em 2013 na cidade do Rio de Janeiro.

Os dados do 2º ciclo do PMAQ-AB de 2013 permitiram analisar a realização de atividades específicas voltadas para a obesidade. Em todas as questões analisadas, a cidade do Rio de Janeiro apresentou proporções melhores que a do estado do Rio de Janeiro, mas ainda assim foi possível perceber uma grande quantidade de equipes que não realiza ações voltadas para esses usuários, que têm questões específicas a serem tratadas e devem ser olhadas com mais cuidado pelas equipes.

Na cidade do Rio de Janeiro, 63,1% das equipes mantêm o registro das pessoas com obesidade do seu território, e no estado, 37,3% registram. A oferta de consultas e a programação da agenda para usuários com obesidade, separados de outros grupos, foram executadas por 68,0% e 65,4%, respectivamente, representando maiores proporções na capital.

Sobre a conduta realizada com os usuários identificados com obesidade, na cidade do Rio de Janeiro a maior proporção das equipes convida o usuário para participar de atividades coletivas voltadas para a alimentação saudável e atividade física (83,8%) e encaminha para um serviço especializado (82,1%). No estado do Rio de Janeiro, o encaminhamento para um serviço especializado foi o mais relatado dentre todas as ações realizadas, assim como a organização de consultas de acompanhamento desse usuário na própria UBS (62,3%).

Discutir a estrutura e os processos de trabalho direcionados às pessoas com obesidade pode contribuir para o seu fortalecimento

Os autores acreditam que a discussão acerca da estrutura e dos processos de trabalho relacionados às práticas de cuidado direcionadas às pessoas com obesidade desenvolvidas na APS possam contribuir para o seu fortalecimento, como também para repensar a organização da rede de atenção à saúde, com a proposição de melhorias e avanços, sobretudo no que tange à organização da linha de cuidado. Além disso, destacam o papel central que os processos de avaliação podem desempenhar junto às equipes de APS, uma vez que seja reforçado seu potencial formativo, reflexivo e de qualificação do processo decisório, promovendo possibilidades efetivas de planejamento.

Para ler o artigo na íntegra, clique aqui.

 

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