A frequência alimentar tem impacto na manutenção do peso corporal?
Em todo o mundo, a prevalência de obesidade tem aumentado de forma preocupante, e um maior fracionamento de refeições, ou seja, a realização de maior número de refeições, é apontada como um potencial fator de proteção para o controle do peso corporal. Contudo, essa recomendação ainda carece de evidências sólidas que a corroborem. Desde 1960, cientistas sugerem associação inversa entre o consumo de um maior número de refeições por dia e a manutenção do peso corporal. No entanto, Relatório da Organização Mundial de Saúde de 2003, sobre Dieta, Nutrição e Prevenção de Doenças Crônicas, apontava a recomendação para o maior frequência de realização de refeições como tendo evidências insuficientes. A partir da década de 2000, estudos começaram a mostrar conclusões ambíguas.
Estudos divergem quanto a relação entre frequência alimentar e manutenção do peso
Neste contexto, em 2015, uma meta-análise avaliando a associação entre a frequência das refeições e mudanças na composição corporal (gordura corporal e massa magra), encontrou pequeno benefício potencial decorrendo do aumento da frequência alimentar sobre a redução na gordura corporal. Porém, há estudos que mostram associação inversa, ou nenhuma relação. A ingestão geral de energia tem importância na via causal entre a frequência de refeições e manutenção do peso, embora estudos sobre o assunto pareçam inconclusivos.
Revisão sistemáticas sobre a frequência alimentar e manutenção do peso incluiu artigos entre 1960 e 2016
Considerando a necessidade de organizar essas evidências divergentes, uma revisão sistemática da literatura (RSL) teve como objetivo examinar a associação entre frequência alimentar, peso e composição corporal em adultos de ambos os sexos.
A RSL seguiu os protocolos PRISMA e MOOSE. O protocolo de pesquisa foi identificado por meio da estratégia PICO, que se refere às seguintes categorias: paciente, intervenção, comparação e resultado. Os critérios de inclusão para os artigos levantados na literatura foram: (i) desenho de estudo ser observacional; (ii) artigo ser derivado de pesquisa original; (iii) resultado incluir peso, mudança no peso, sobrepeso, obesidade, IMC, adiposidade, circunferência de cintura, razão cintura-quadril ou obesidade abdominal; (iv) exposição incluir a frequência de consumo alimentar como número de refeições realizadas por dia; e (v) amostra ser composta por adultos (> 18 anos). As bases de dados usadas na pesquisa foram PubMed, EMBASE e Scopus. Foram incluídos artigos publicados entre 1960 e agosto de 2016.
Os dados foram resumidos de acordo com as seguintes variáveis: primeiro autor, data de publicação, desenho do estudo, tamanho da amostra, idade dos indivíduos, duração do acompanhamento (estudos prospectivos), desfechos e exposição, análise estatística (incluindo fatores de confusão e mediadores usados na análise ajustada) e resultados numéricos. Na RSL, uma lista de verificação, proposta por Downs e Black (validada originalmente e adaptada para estudos observacionais), foi utilizada para avaliar a qualidade dos artigos selecionados quanto a possíveis vieses. No que se refere à qualidade do estudo, a pontuação final variou de 0 (pior) a 21 pontos (melhor) para estudos longitudinais; e de 0 (pior) a 19 pontos (melhor) para estudos transversais. Os itens avaliados receberam pontuação 0 ou 1 (1=item foi contemplado no estudo; 0 = não foi contemplado ou não pôde ser determinado), com exceção de um item que avalia se os principais confundidores foram fornecidos, neste a escala aplicada foi de 0 a 2 (0 = não; 1 = parcialmente; 2 = sim). Em relação ao poder estatístico do estudo, a pontuação, 0 ou 1, dependia do fato estar explicitamente declarado no artigo. Foi realizada avaliação geral da qualidade dos artigos para cada item do instrumento de avaliação. Os estudos foram classificados como tendo um ”baixo risco de viés”, enquanto escores de 0 refletiam “risco de viés”.
Dos 31 artigos incluidos na revisão, 14 estudos observaram associação inversa entre frequência alimentar e manutenção do peso
As estratégias de busca resultaram em 5.789 títulos. Um total de 31 artigos foram incluídos na RSL, com 27 artigos atendendo à totalidadede critérios de inclusão. Os estudos tiveram características de amostra diferentes, tendo a maioria sido realizada nos EUA e em países europeus. Destaca-se que a maioria dos estudos (n=24) incluíam ambos os sexos, e grande parte dos artigos foram classificados como tendo baixo risco de viés, no entanto, quase todos os estudos (96,7%) foram classificados como tendo um “risco de viés” em relação à amostra. Associação inversa entre a frequência alimentar e os desfechos foi identificada em quatorze estudos, todos transversais; destes, oito encontraram associação com o peso corporal, IMC, sobrepeso ou obesidade; cinco com circunferência da cintura ou relação cintura-quadril; e um com índice de adiposidade; e onze tiveram pontuações de qualidade acima de 70%. Em onze destes estudos, registro ou questionários de padrão de refeição foram empregados. Dez estudos realizaram análises múltiplas ou empregaram outros métodos estatísticos para ajustar possível confusão, incluindo variáveis sociodemográficas, como: sexo, idade, educação, renda e raça/etnia; e variáveis comportamentais, como: tabagismo, atividade física, ingestão de álcool e características dietéticas.
Associação direta entre a frequência alimentar e os desfechos foi verificada em sete estudos. Os desfechos foram medidos como: peso, IMC, sobrepeso / obesidade, em seis estudos. Dois estudos, incluindo um prospectivo, utilizaram medidas autorreferidas. Cinco estudos receberam escores de qualidade acima de 70%. Em cinco estudos, a frequência alimentar foi avaliada por meio de registrou ou questionários. Ausência de associação foi encontrada em dez estudos, sendo um prospectivo. Sete estudos receberam escores de qualidade acima de 70%. Seis estudos utilizaram uma pergunta simples ou questionário de padrão de refeição para acessar a frequência alimentar, e três utilizaram múltiplos registros. Dentre os dez estudos que mostraram análises estratificadas por sexo, entre indivíduos do sexo masculino, cinco encontraram associações inversas entre um fracionamento de refeições e a circunferência da cintura ou a relação cintura-quadril e sete encontraram associações inversas para peso corporal. Todos esses estudos foram ajustados para atividade física e características dietéticas nas análises múltiplas, mas apenas dois deles levaram em consideração o subrrelato da ingestão alimentar. Porém, quando os resultados foram analisados apenas em mulheres, nenhuma associação foi observada.
Embora comum na prática clínica, RSL conclui que não há evidências para se estabelecer associação entre a frequência alimentar e o peso corporal
A maioria dos estudos compilados na RSL aplicou análises ajustadas para potenciais confundidores, como: sexo, idade, educação, renda, tabagismo, atividade física e consumo de álcool. No entanto, a investigação sobre a ingestão energética como fator de confusão foi incluída nas análises de apenas dois estudos. A despeito de a recomendação para o maior fracionamento de refeições ser comum na prática clínica, de acordo com a RSL não há evidências suficientes para se estabelecer uma associação clara entre a frequência alimentar e a composição corporal ou peso corporal. Contudo, entre os homens, foi observado um potencial efeito protetor da maior frequência alimentar. Estudos futuros devem realizar análises estratificadas por sexo e incluir nas análises múltiplas fatores de confusão e mediadores potencialmente relevantes, com atenção especial à ingestão energética.
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