Ambiente alimentar comunitário e obesidade infantil em uma cidade média brasileira

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A obesidade infantil tem aumentado de forma significativa no Brasil e no mundo e o papel que ambiente exerce tem sido cada vez mais destacado nesse crescimento. Estudos tem mostrado que os locais onde as crianças moram, estudam e brincam podem influenciar na alimentação e no ganho de peso das mesmas. Nesse sentido, destaca-se o ambiente alimentar comunitário que se refere ao tipo, número, localização e condições de acesso a estabelecimentos de venda de alimentos em uma área circunvizinha. Compondo o ambiente alimentar, tem-se o ambiente escolar que envolve a disponibilidade e venda de alimentos tanto no espaço interno quanto no entorno das escolas. Estudos tem mostrado a associações positivas entre esses ambientes e a maior prevalência de obesidade em crianças e adolescentes.

Visando avaliar a relação entre os ambientes alimentares comunitário do entorno de escolas e de domicílios e a obesidade infantil foi realizado um estudo com 366 escolares de 8 e 9 anos de idade no município de Viçosa, uma cidade de médio porte localizada no estado de Minas Gerais. Em relação às informações individuais, as socioeconômicas (sexo, cor, renda familiar e escolaridade dos pais) foram coletadas através de um questionário semiestruturado. O estado nutricional das crianças foi avaliado pelo IMC de acordo com os pontos de corte da Organização Mundial da Saúde (OMS). Foi avaliado também o IMC materno e na ausência desse, o IMC paterno. Além disso, foi aferida a circunferência da cintura e avaliado o perfil lipídico através do colesterol total, da lipoproteína de alta densidade (HDL), lipoproteína de baixa densidade (LDL) e os Triglicerídeos. Houve também a avaliação do consumo diário de energia por meio da aplicação de três recordatórios alimentares de 24 horas com informações obtidas das crianças e dos responsáveis. No caso de crianças que faziam as refeições escolares, as informações complementares foram fornecidas pela escola.

Em relação aos indicadores de ambiente alimentar, o estudo mapeou os locais que vendiam alimentos em um raio (buffer) de 200 metros e 400 metros de escolas e domicílios dos estudantes. Esses estabelecimentos foram classificados de acordo com a predominância dos alimentos comercializados em três categorias: a) estabelecimentos de alimentação saudável: locais onde os alimentos in natura e minimamente processados representavam mais de 50% da aquisição total; b) estabelecimentos não saudáveis: locais onde a aquisição de alimentos ultraprocessados representava mais de 50% da compra total; c) estabelecimentos mistos: onde havia predominância de aquisição de preparações culinárias ou alimentos processados ou onde não havia predominância de aquisição de alimentos in natura e minimamente processados ou alimentos ultraprocessados.

A prevalência da obesidade entre as crianças avaliadas foi de 15,6% e foi observado que crianças que apresentaram obesidade tinham uma chance maior de terem circunferência da cintura aumentada, HDL reduzido e triglicerídeos aumentados. Constatou-se que 70,2% dos estabelecimentos foram classificados como não saudáveis e em somente 12,6% havia predominância de alimentos saudáveis.

No ambiente alimentar do entorno escolar relativo ao buffer de 200 metros foi observada uma associação inversa entre a presença de estabelecimentos classificados como saudáveis e obesidade. Nesse caso, foi verificado que as crianças que frequentavam escolas com presença de pelo menos um local de venda de alimentos saudáveis apresentaram uma chance 63% menor de terem obesidade quando comparados às escolas que não possuíam esses estabelecimentos no entorno. Por outro lado, foi verificado uma associação direta entre a presença de estabelecimentos com predominância de alimentos não saudáveis e a obesidade. Segundo os autores, a ausência de associação no buffer de 400 metros pode ter ocorrido em função da idade das crianças que apresentam menor autonomia para percorrem distâncias maiores. A maior disponibilidade de estabelecimentos que vendem alimentos não saudáveis no entorno das escolas pode influenciar negativamente os hábitos alimentares dos estudantes o que contribui para o aumento do excesso de peso em crianças e adolescentes.

Em relação ao entorno dos domicílios, foi encontrada uma associação inversa entre a presença de estabelecimentos com predominância de alimentos saudáveis e obesidade nos buffers de 200 metros e 400 metros, onde as crianças apresentaram 70% e 81% menos chances de terem obesidade, respectivamente. Esses achados refletem o papel protetor de ambientes alimentares saudáveis na prevenção da obesidade em crianças considerando que os hábitos adquiridos na infância podem ser perpetuados na vida adulta.

Os autores apontam que a restrição do comércio e da propaganda de alimentos não saudáveis na escola são essenciais para a prevenção da obesidade infantil. Diante disso, sugerem a implementação de uma legislação nacional para regulamentar a comercialização de alimentos nas escolas. Pontuam, ainda, como aspecto positivo o Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE) cujo objetivo é promover hábitos alimentares saudáveis por meio da oferta de alimentação saudável nas escolas. Além disso, apontam que os resultados podem contribuir para o desenvolvimento de políticas e ações relacionadas à promoção da saúde e prevenção da obesidade infantil.

Os resultados do estudo mostram que o ambiente alimentar comunitário no entorno de escolas e domicílios pode atuar na proteção ou ser um potencializador da obesidade a depender do acesso, da disponibilidade e dos tipos de alimentos que são comercializados nesses espaços.

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