Os efeitos deletérios provocados por padrões alimentares baseados em alimentos ultraprocessados tem sido reportado de maneira consistente na literatura científica, especialmente na última década. A venda dos alimentos ultraprocessados tem aumentado na maioria das regiões do mundo e, no Brasil, de 2009 a 2019, a taxa de crescimento anual foi de 1,9%. O consumo de alimentos ultraprocessados entre as crianças está associado a um aumento do risco de doenças crônicas não-transmissíveis e este público representa uma população de maior preocupação uma vez que os alimentos ultraprocessados são extremamente palatáveis e convenientes e esta população está mais vulnerável às propagandas.
Não há dados de estudos de base populacional sobre a participação dos ultraprocessados na dieta das crianças pequenas brasileiras e poucos estudos têm explorado a relação entre alimentos ultraprocessados e desfechos em saúde na primeira infância. Considerando este cenário, um estudo publicado em 2023 teve como objetivo descrever o consumo de alimentos ultraprocessados e avaliar a sua associação com desfechos de crescimentos em crianças de 2 a 4 anos.
O estudo de coorte prospectivo utilizou a dados da Coorte de Nascimentos de Pelotas 2015 e os desfechos avaliados foram o escore Z de IMC para idade e o escore Z de comprimento/altura para idade. A exposição aos alimentos ultraprocessados, com base na classificação NOVA, foi coletada por meio de pergunta às mães/cuidadores se a criança costumava beber/comer (sim ou não) os seguintes alimentos: (1) macarrão instantâneo, (2) refrigerante, (3) chocolate em pó, (4) nuggets, hambúrguer ou salsichas, (5) salgadinhos de pacote, (6) balas, pirulitos, gomas de mascar, chocolate, (7) biscoito recheado ou biscoito doce, (8) suco em lata ou caixa ou preparados a partir de uma mistura em pó e (9) iogurte. O escore de alimentos ultraprocessados foi calculado a partir das respostas positivas para a opções citadas (variando, portanto, de 0 a 9).
A amostra deste estudo incluiu 3.498 crianças com informações completas sobre exposição e desfechos. A média de idade materna foi 27,6 anos e escolaridade média de 10 anos. Dos estudados, 50,6% eram meninos e nasceram com peso médio de 3,184kg. A prevalência de sobrepeso aumentou de 7,6% para 12,9% dos 2 aos 4 anos, enquanto a prevalência de déficit de estatura foi de 3,3% aos 2 anos e 4,0% aos 4 anos.
A prevalência do consumo de alimentos ultraprocessados aumentou dos 2 aos 4 anos, para todos os 9 itens avaliados, exceto para o iogurte. A prevalência do consumo de salgadinhos de pacote, nuggets/hambúrguer e chocolate em pó variou em torno de 43% a 46% em crianças de 2 anos e de 61% a 66% em crianças de 4 anos. Refrigerante e macarrão instantâneo eram geralmente consumidos por cerca de 37% e 30% das crianças aos 2 anos de idade, respectivamente, e cerca de 50% e 46% aos 4 anos de idade, respectivamente.
O escore de consumo de alimentos ultraprocessados esteve associado a desfechos de crescimento em crianças entre 2 e 4 anos de idade. Pontuações mais altas de consumo foram associadas a maior escore Z de IMC para idade e menor escore Z de estatura para idade de 2 a 4 anos.
Os alimentos e bebidas ultraprocessados possuem um maior teor de açúcares, maior densidade energética e menor teor de fibras e essa composição pode favorecer um maior ganho de peso, enquanto a inadequação dietética (incluindo proteína e micronutrientes) pode impactar o crescimento quando há um consumo excessivo destes produtos.
Estes resultados são relevantes para reforçar a importância de evitar um consumo de ultraprocessados na primeira infância a fim de prevenir a dupla carga de má nutrição e doenças crônicas não transmissíveis ao longo da vida.