Representações sociais da obesidade por profissionais da saúde

Estigma de peso vivenciado por indivíduos com obesidade em serviços de saúde
12 de setembro de 2023
Características do ambiente obesogênico no entorno das escolas estão associadas à gordura corporal e à inflamação de baixo grau em crianças brasileiras
3 de outubro de 2023

A obesidade é definida como acúmulo anormal ou excessivo de gordura corporal ou, ainda, como doença crônica, progressiva e recidivante. No entanto, ao extrapolar a dimensão individual no modelo causal que a consolida, ela passa a ser também reconhecida e denominada como um “fenômeno social”, um acontecimento multifatorial que se explica por comportamentos, ações e situações observadas na vida social e que afetam as relações, os conflitos e os acordos entre os indivíduos em comunidade.

Acerca das representações sociais e estigmas que se constroem sobre o corpo gordo, estudos apontam, ainda, a obesidade como “condição”, no intuito de remeter à necessidade de reconhecimento de processos de subjetivação e diferenciação que os corpos reivindicam no contexto social moderno.

Embora os estudos críticos indiquem a necessidade de um cuidado às pessoas com obesidade pautado no diálogo ampliado, com os princípios da integralidade e intersetorialidade, exercido por equipes multiprofissionais, com respeito à cultura alimentar e à diversidade corporal, as práticas realizadas por vezes acabam reforçando o estigma vivenciado pelos usuários.

Nesse sentido, este estudo analisou as representações sociais da obesidade para profissionais de saúde que atuam na Atenção Primária à Saúde (APS) do estado da Bahia. Trata-se um estudo exploratório-descritivo, de método qualitativo, realizado a partir do curso de Qualificação do Cuidado às Pessoas com Obesidade, ofertado pela Universidade Federal da Bahia. O objetivo do curso foi fortalecer capacidades conceituais, metodológicas e estratégicas de profissionais ligados às equipes do Núcleo Ampliado da Saúde da Família e Atenção Básica (eNASF-AB) e da Atenção Primária à Saúde (APS), para qualificação do cuidado às pessoas com sobrepeso e obesidade. Para compreender as representações sociais da obesidade, foi utilizada a Técnica de Associação Livre de Palavras (TALP), que atua diretamente sobre a estrutura psicológica dos indivíduos por meio de estímulos indutores (verbais ou não verbais). O disparador enunciado foi: “Escreva as três primeiras palavras que vêm a sua mente quando você pensa em obesidade”.

A maioria dos participantes era do sexo feminino (90,16%), faixa etária entre 30 e 39 anos (62,30%), servidores públicos estatutários (52,46%), que atuavam no NASF-AB (60,66%) e no cuidado às pessoas com obesidade (85,25%) há mais de quatro anos (49,18%). Em relação às profissões, a maior parte era de nutricionistas (34,43%), seguidos por enfermeiros (18,03%) e educadores físicos (13,11%).

Os termos mais citados foram: doença, alimentação, sobrepeso, gordura, saúde mental, qualidade de vida, atividade física, estigma, saúde, multifatorialidade, conhecimento, corpo e estilo de vida.

Em recente revisão de literatura sobre as representações sociais da obesidade, Couss e colaboradores revelaram a escassez de pesquisas realizadas com profissionais de saúde. Alguns estudos incluídos nessa pesquisa revelaram termos de valor semântico encontrados para o termo obesidade, semelhantes aos evocados no núcleo central do presente estudo, sendo eles: doença, alimentação e gordura, em consonância, inclusive, com as definições das agências regulatórias internacionais. Pesquisas recentes sinalizam para os riscos da promoção da patologização e medicalização do corpo da pessoa com obesidade e do emprego de estratégias e ações de saúde associadas a esta lógica, que, por seu turno, produzem efeitos e resultados prejudiciais à sua saúde mental. Chama atenção que a saúde mental obteve a segunda maior frequência absoluta na evocação, tendo maior representação do que a expressão atividade física, contrapondo estudos semelhantes que ainda endossam a alimentação e atividade física como fatores etiológicos preponderantes.

Os achados denotam uma ampliação na percepção dos fatores causais da obesidade, mas ainda se apresentam em detrimento dos determinantes políticos, sociais e culturais, reforçando a perspectiva da patologização e a responsabilização do indivíduo. Saúde, termo não encontrado em estudos semelhantes, aparece como elemento que pode tanto contradizer a noção de doença, quanto indicar aspecto de desvio do padrão ou de transgressão, abordagem que instaura um mal-estar subjetivo pelo sentimento de inadequação, “defeito” moral e social, desafiando o campo da saúde a se aproximar dos sujeitos e suas singularidades para pensar o cuidado. No entanto, a presença dos termos multifatorialidade, conhecimento e corpo, apesar de ser um achado não encontrado em estudos semelhantes, sinaliza novas narrativas sobre obesidade, que trazem a ampliação da percepção para uma abordagem multidimensional.

Por fim, as evidências apresentam sinais reflexos do processo de formação em saúde que, frequentemente, assumem modelos explicativos lineares e fragmentados sem qualificar apropriadamente os profissionais a pensarem a partir do paradigma da complexidade, em que pesem os baixos índices de resolutividade e impactos negativos na estima laboral no cuidado às pessoas com obesidade.

Compartilhar

Deixe uma resposta

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *