A obesidade é definida como acúmulo anormal ou excessivo de gordura corporal ou, ainda, como doença crônica, progressiva e recidivante. No entanto, ao extrapolar a dimensão individual no modelo causal que a consolida, ela passa a ser também reconhecida e denominada como um “fenômeno social”, um acontecimento multifatorial que se explica por comportamentos, ações e situações observadas na vida social e que afetam as relações, os conflitos e os acordos entre os indivíduos em comunidade.
Acerca das representações sociais e estigmas que se constroem sobre o corpo gordo, estudos apontam, ainda, a obesidade como “condição”, no intuito de remeter à necessidade de reconhecimento de processos de subjetivação e diferenciação que os corpos reivindicam no contexto social moderno.
Embora os estudos críticos indiquem a necessidade de um cuidado às pessoas com obesidade pautado no diálogo ampliado, com os princípios da integralidade e intersetorialidade, exercido por equipes multiprofissionais, com respeito à cultura alimentar e à diversidade corporal, as práticas realizadas por vezes acabam reforçando o estigma vivenciado pelos usuários.
Nesse sentido, este estudo analisou as representações sociais da obesidade para profissionais de saúde que atuam na Atenção Primária à Saúde (APS) do estado da Bahia. Trata-se um estudo exploratório-descritivo, de método qualitativo, realizado a partir do curso de Qualificação do Cuidado às Pessoas com Obesidade, ofertado pela Universidade Federal da Bahia. O objetivo do curso foi fortalecer capacidades conceituais, metodológicas e estratégicas de profissionais ligados às equipes do Núcleo Ampliado da Saúde da Família e Atenção Básica (eNASF-AB) e da Atenção Primária à Saúde (APS), para qualificação do cuidado às pessoas com sobrepeso e obesidade. Para compreender as representações sociais da obesidade, foi utilizada a Técnica de Associação Livre de Palavras (TALP), que atua diretamente sobre a estrutura psicológica dos indivíduos por meio de estímulos indutores (verbais ou não verbais). O disparador enunciado foi: “Escreva as três primeiras palavras que vêm a sua mente quando você pensa em obesidade”.
A maioria dos participantes era do sexo feminino (90,16%), faixa etária entre 30 e 39 anos (62,30%), servidores públicos estatutários (52,46%), que atuavam no NASF-AB (60,66%) e no cuidado às pessoas com obesidade (85,25%) há mais de quatro anos (49,18%). Em relação às profissões, a maior parte era de nutricionistas (34,43%), seguidos por enfermeiros (18,03%) e educadores físicos (13,11%).
Os termos mais citados foram: doença, alimentação, sobrepeso, gordura, saúde mental, qualidade de vida, atividade física, estigma, saúde, multifatorialidade, conhecimento, corpo e estilo de vida.
Em recente revisão de literatura sobre as representações sociais da obesidade, Couss e colaboradores revelaram a escassez de pesquisas realizadas com profissionais de saúde. Alguns estudos incluídos nessa pesquisa revelaram termos de valor semântico encontrados para o termo obesidade, semelhantes aos evocados no núcleo central do presente estudo, sendo eles: doença, alimentação e gordura, em consonância, inclusive, com as definições das agências regulatórias internacionais. Pesquisas recentes sinalizam para os riscos da promoção da patologização e medicalização do corpo da pessoa com obesidade e do emprego de estratégias e ações de saúde associadas a esta lógica, que, por seu turno, produzem efeitos e resultados prejudiciais à sua saúde mental. Chama atenção que a saúde mental obteve a segunda maior frequência absoluta na evocação, tendo maior representação do que a expressão atividade física, contrapondo estudos semelhantes que ainda endossam a alimentação e atividade física como fatores etiológicos preponderantes.
Os achados denotam uma ampliação na percepção dos fatores causais da obesidade, mas ainda se apresentam em detrimento dos determinantes políticos, sociais e culturais, reforçando a perspectiva da patologização e a responsabilização do indivíduo. Saúde, termo não encontrado em estudos semelhantes, aparece como elemento que pode tanto contradizer a noção de doença, quanto indicar aspecto de desvio do padrão ou de transgressão, abordagem que instaura um mal-estar subjetivo pelo sentimento de inadequação, “defeito” moral e social, desafiando o campo da saúde a se aproximar dos sujeitos e suas singularidades para pensar o cuidado. No entanto, a presença dos termos multifatorialidade, conhecimento e corpo, apesar de ser um achado não encontrado em estudos semelhantes, sinaliza novas narrativas sobre obesidade, que trazem a ampliação da percepção para uma abordagem multidimensional.
Por fim, as evidências apresentam sinais reflexos do processo de formação em saúde que, frequentemente, assumem modelos explicativos lineares e fragmentados sem qualificar apropriadamente os profissionais a pensarem a partir do paradigma da complexidade, em que pesem os baixos índices de resolutividade e impactos negativos na estima laboral no cuidado às pessoas com obesidade.