Características do ambiente obesogênico no entorno das escolas estão associadas à gordura corporal e à inflamação de baixo grau em crianças brasileiras

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A obesidade é caracterizada pelo acúmulo de tecido adiposo e está associada a alterações nas concentrações de biomarcadores, com maior acúmulo de adipocinas pró-inflamatórias e menor de adipocinas antiinflamatórias. A obesidade e a inflamação de baixo grau são condições multifatoriais resultantes da interação de fatores biológicos, sociais e ambientais.

O ambiente obesogênico tem contribuído para escolhas alimentares pouco saudáveis ​​e/ou comportamentos sedentários, que estão relacionados à obesidade e às vias inflamatórias. O ambiente alimentar escolar e seu entorno apresentam alta disponibilidade de alimentos ultraprocessados, favorecendo o consumo e consequentemente influenciando no ganho de peso de crianças e adolescentes. Além disso, a infraestrutura precária e a insegurança causada pelo trânsito e pela criminalidade têm sido associadas ao menor uso de caminhada como forma de deslocamento e à menor disponibilidade e/ou acesso a instalações de atividade física. Presença de espaços verdes, caminhabilidade e instalações para prática de atividade física tem sido inversamente associadas com a obesidade em crianças e adolescentes.

Sendo assim, um estudo teve como objetivo identificar os fatores ambientais no entorno das escolas que poderiam contribuir para a obesidade e inflamação relacionada, incluindo ambientes alimentares construídos, ambientes para a prática de atividade física e fatores relacionados a segurança e criminalidade em uma cidade brasileira de médio porte.

Trata-se de um estudo transversal realizado em 2015 com crianças de 8 e 9 anos matriculadas em escolas públicas e privadas da zona urbana de Viçosa, Minas Gerais, Brasil, contemplando quatro bairros e 24 escolas urbanas. A primeira parte da pesquisa, coletou dados de 368 crianças, avaliando a adiposidade corporal por meio da densitometria de dupla energia (DXA) e coleta de amostras sanguíneas para avaliação das concentrações de leptina, RBP4 (proteína de ligação ao retinol 4), adiponectina e quemerina. Informações individuais e familiares, como idade, sexo, renda per capita e tempo de tela (> 2 horas/dia), foram coletadas por meio de questionário semiestruturado. Para a segunda parte do estudo, pesquisadores treinados preencheram questionários específicos, realizando auditorias para identificação dos estabelecimentos de comercialização de alimentos (tipo de loja e alimentos disponíveis) e de instalações de recreação pública (presença de praças e locais para caminhada). Para essa avaliação utilizou uma área de 400 m no entorno das escolas (correspondente à uma caminhada de 5 minutos a partir de cada escola). Foram obtidas as coordenadas geográficas (latitude e longitude) de cada estabelecimento de alimentos e espaço público. As áreas verdes foram obtidas no banco de dados georreferenciado do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Obteve-se o índice de caminhabilidade da zona urbana de Viçosa e informações quanto aos acidentes de trânsito (com e sem vítimas) e à ocorrência de crimes no município em 2015.

Dos 612 estabelecimentos identificados no entorno das escolas, 43,6% continham predominantemente alimentos ultraprocessados, sendo a maioria classificados como bares. Das 23 instalações públicas para prática de atividade física, 12 (52,2%) eram praças. Em 2015, foram registrados 677 acidentes de trânsito (57,6% com vítimas) e 1.312 crimes (81% furtos/roubos). Todas as características ambientais apresentaram maiores densidades no entorno das escolas no centro da cidade e em áreas com maior renda do bairro.

A densidade de estabelecimentos com predominância de ultraprocessados foi positivamente associada à gordura corporal total e gordura corporal andróide, enquanto as densidades de instalações para prática de atividade física e espaços verdes foram inversamente associados. As densidades de instalações para prática de atividade física e criminalidade foram inversamente associados às concentrações de leptina (adipocina pró-inflamatória). Os acidentes de trânsito e espaços verdes tiveram associação positiva e inversa com concentrações de adiponectina e RBP4 (adipocinas pró-inflamatórias), respectivamente.

Pesquisas anteriores apontaram que uma dieta pró-inflamatória, caracterizada pelo alto consumo de ultraprocessados, estava associada a maior concentração de adipocina pró-inflamatória e menor concentração de adipocina anti-inflamatória. O consumo desses alimentos promove maior ingestão de açúcar e gordura saturada e pode desencadear uma resposta imune inata, com aumento da secreção de compostos pró-inflamatórios, como adipocinas e proteína C reativa.

Além disso, sabe-se que níveis mais baixos de atividade física ou tempo sedentário na infância estão associados ao aumento da leptina. Da mesma forma, a maior densidade de espaços verdes ao redor das escolas tem sido relacionada a uma menor exposição a poluentes atmosféricos relacionados ao tráfego. Esses poluentes têm sido associados ao aumento do risco de adiposidade e inflamação por vários mecanismos, como modificação da diferenciação dos adipócitos, regulação do comportamento alimentar e alterações na composição da microbiota. Os espaços verdes podem reduzir a obesidade e a inflamação, uma vez que podem ser um estímulo favorável à prática de atividades recreativas e/ou físicas, reduzindo o comportamento sedentário.

Os acidentes de trânsito foram positivamente associados à concentração de RBP4 e adiponectina, e a criminalidade foi inversamente associada à concentração de leptina. No entanto, as evidências mostram que as maiores densidades de acidentes de trânsito e crimes são características de um ambiente inseguro e podem reduzir a forma de transporte ativo e o acesso e/ou disponibilidade a lojas de alimentos e espaços de promoção da saúde, ou seja, o tráfego urbano pode afetar a motivação para a prática de atividades ao ar livre e o deslocamento ativo.

Não foi encontrado associação entre caminhabilidade e concentrações de gordura corporal e adipocinas. Os autores destacam que a relação entre caminhabilidade e desfechos de saúde parece ainda ser controversa e carece de mais estudos, considerando além do índice de caminhabilidade, outros fatores como percepção dos pais sobre a segurança do bairro e a estética da paisagem.

Como conclusão, as características do ambiente obesogênico no entorno das escolas foram associadas à gordura corporal total e andróide e às concentrações de adipocinas em crianças brasileiras de uma cidade de médio porte. Esses dados podem apoiar a elaboração de políticas públicas necessárias para criar e/ou melhorar o acesso a um ambiente seguro que promova escolhas alimentares e um estilo de vida mais saudável, contribuindo assim na prevenção e tratamento da obesidade.

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