Promoção de alimentos ultraprocessados no Brasil: uso combinado de alegações e recursos promocionais nas embalagens

Medida do equilíbrio de decisões para redução do peso corporal entre pessoas com sobrepeso ou obesidade
10 de outubro de 2023
Influência da segurança na vizinhança e do ambiente construído na obesidade infantil
24 de outubro de 2023

Dados de inquéritos nacionais realizados periodicamente têm mostrado que a prevalência de excesso de peso aumenta concomitantemente com a aquisição de alimentos ultraprocessados (AUP). Além disso, estudos trouxeram à tona uma associação positiva entre o consumo de AUP e o desenvolvimento de doenças crônicas como obesidade, diabetes, doenças cardiovasculares e alguns tipos de câncer, entre outros desfechos adversos à saúde.

Com o aumento da prevalência da obesidade muitos cientistas buscaram entender as estratégias de marketing de alimentos no Brasil. No entanto, assim como em outros países da América Latina, tais estudos estão mais focados na publicidade televisiva, com poucos estudos relatando marketing em rótulos de alimentos. Dessa forma, um estudo teve como objetivo avaliar a disponibilidade de diferentes estratégias promocionais implementadas em embalagens de AUP vendidas em supermercados brasileiros, bem como comparar a prevalência dessas estratégias em embalagens de outros grupos de alimentos e avaliar a coocorrência de diferentes tipos de recursos promocionais nas embalagens.

As informações disponíveis nas embalagens de alimentos foram coletadas de todos os produtos embalados vendidos nas cinco maiores redes varejistas de alimentos do Brasil em 2017. Os AUP foram identificados usando o sistema de classificação NOVA de alimentos. Desta amostra, foram coletados e codificados dados relativos às características promocionais, alegações nutricionais e de saúde, utilizando a metodologia INFORMAS.

A classificação NOVA de alimentos divide alimentos e bebidas em quatro grupos: 1) alimentos não processados ou minimamente processados (itens obtidos diretamente de plantas ou animais sem processamento ou com alteração mínima); 2) ingredientes culinários processados (substâncias extraídas de alimentos naturais ou da natureza e consumidas no preparo culinário); 3) alimentos processados (produtos industrializados preparados essencialmente pela adição de ingredientes culinários processados – como sal, açúcar e óleo – a alimentos não processados ou minimamente processados para prolongar a vida útil e melhorar a palatabilidade); e 4) alimentos e bebidas ultraprocessados (feitos principalmente ou exclusivamente de ingredientes industriais, cujo processo de produção envolve técnicas complexas de fabricação utilizadas exclusivamente pela indústria).

O protocolo INFORMAS dividiu os componentes da rotulagem dos alimentos em três grupos principais: Declaração nutricional (incluindo informações como o rótulo nutricional); Alegações nutricionais e de saúde; e Personagens promocionais e ofertas premium. Neste estudo foram avaliados os dois últimos componentes.

As alegações nutricionais e de saúde são amplamente utilizadas nas embalagens de alimentos pela indústria alimentar para informar os consumidores sobre os benefícios para a saúde que um produto pode trazer. Alegações de saúde são aquelas relacionadas a benefícios gerais à saúde, alergias/intolerância, conteúdo vegetariano/vegano, produtos naturais/puros, produtos sem aditivos, pesticidas, entre outros. Já as alegações nutricionais se referem à declaração do conteúdo nutricional ou comparação de nutrientes com ingredientes relacionados à saúde (como frutas, nozes e grãos integrais). Ademais, o uso de personagens promocionais e ofertas premium inclui informações sobre a presença de personagens (personagens ou celebridades de marca, licenciados e de filmes), eventos esportivos ou atletas (famosos ou amadores) e prêmios (download de jogos, concursos, promoções como “compre 2 e ganhe 3” e “porcentagem extra do produto”, edição limitada, caridade social e item colecionável).

Dos 3.491 produtos analisados, 797 (22,8%) foram classificados como alimentos in natura ou minimamente processados, 100 (2,9%) como ingredientes culinários processados, 356 (10,2%) como alimentos processados e 2.238 (64,1%) como AUP.  A maior prevalência de recursos promocionais foi observada entre os AUP, com 60,7% dos itens disponíveis no mercado brasileiro apresentando pelo menos uma estratégia promocional em suas embalagens.

Os AUP também apresentaram maior utilização de duas ou mais estratégias promocionais diferentes na mesma embalagem (29,8%) quando comparados aos demais produtos alimentícios (25,1%). As estratégias promocionais mais comuns para AUP foram o uso de alegações nutricionais (36,1%) e alegações de saúde (32,9%). É importante destacar que as alegações de saúde e nutrição podem influenciar os consumidores a concluir erroneamente que certos produtos alimentares são saudáveis, induzindo a compra de AUP. Estudo prévio realizado no Brasil apontou que parte dos produtos comercializados com alegações nutricionais e de saúde apresentava pior qualidade nutricional. Nesse sentido, a alta prevalência de alegações de saúde e nutricionais encontradas nos AUP destaca a necessidade de revisão da legislação vigente.

Já os recursos promocionais nas embalagens de alimentos se configuram como estratégia para agregar valor ao produto por meio da venda agregada ou da utilização de personagens ou celebridades, influenciando no processo de tomada de decisão. Crianças e adolescentes são particularmente influenciados por estratégias promocionais, como personagens, atletas, premiações e eventos esportivos.

Os subgrupos de AUP que utilizaram estratégias promocionais mais frequentemente foram doces e sobremesas (n = 432), alimentos de conveniência (n = 253), molhos e temperos (n = 205), carnes ultraprocessadas (n = 193), biscoitos (n = 171), produtos de panificação (n = 151) e laticínios (n = 150). A prevalência de estratégias promocionais de acordo com os subgrupos de AUP foi visivelmente relevante, variando de 14,3% a 100%. Adoçantes não calóricos, cereais matinais e barras de granola, sucos, néctares e bebidas com sabor de frutas, outras bebidas sem açúcar e outras bebidas açucaradas foram os subgrupos que apresentaram maior prevalência de produtos com estratégias promocionais e contendo mais de um tipo de estratégia promocional nas embalagens.

A partir do estudo em questão foi possível observar que a indústria se utiliza de diferentes estratégias para incentivar o consumo de AUP e, em muitos casos, mais de uma estratégia é utilizada em um mesmo produto. Tais produtos apresentam uma estratégia de marketing mais elabora do que os alimentos que deveriam ser verdadeiramente incentivados ao consumo.

Considerando a influência da publicidade em embalagens de alimentos nas escolhas alimentares dos consumidores, especificamente aquelas relacionadas aos AUP, que representam alimentos de alta densidade energética e baixa qualidade nutricional, é necessário ampliar e melhorar a regulamentação dos rótulos de alimentos e bebidas comercializados no Brasil.

Compartilhar

Deixe uma resposta

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *