A adesão às práticas alimentares recomendadas pelo Guia Alimentar para a População Brasileira está associada à qualidade da dieta?

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As práticas alimentares podem ser definidas como uma rede de atividades diárias relacionadas à alimentação, que vão desde o planejamento das refeições até o consumo em si. Vários estudos já investigaram a associação entre práticas alimentares e qualidade da dieta e observaram, por exemplo, que o uso de dispositivos eletrônicos durante as refeições, o hábito de fazer compras em locais com elevada disponibilidade de alimentos não saudáveis e comer com pressa têm sido associados à ingestão alimentar pouco saudável. Em contrapartida, preparar refeições em casa, planejar, comprar e comer com companhia são práticas alimentares que parecem estar associadas a melhor qualidade de dieta. Embora a maioria das diretrizes alimentares ainda se limite a recomendar quantidades de grupos de alimentos, alguns países começaram a incorporar recomendações baseadas em práticas alimentares.

Nesse sentido, destaca-se o Guia Alimentar para a População Brasileira (GAPB), que concentra suas recomendações em práticas alimentares, com orientações como “Compre em locais que ofereçam variedade de alimentos in natura ou minimamente processados” e “Planeje seu tempo para que a alimentação seja importante em sua vida”. Contudo, é importante avaliar se essas recomendações não quantitativas, baseadas em práticas alimentares, resultam em melhor qualidade da dieta.

Um estudo publicado recentemente teve como objetivo investigar se a adesão às práticas alimentares recomendadas pelo GAPB está associada à qualidade da dieta. Para tal, o referido estudo utilizou uma subamostra de participantes da coorte NutriNet-Brasil (n=2.052). A subamostra completou a Escala de Práticas Alimentares (24 itens; escore de 0-72), baseada nas recomendações do GAPB. Dados de recordatórios de 24 horas foram utilizados para calcular o percentual usual de ingestão de energia de dez grupos de alimentos com base no seu grau de processamento: alimentos vegetais in natura ou minimamente processados; alimentos processados; alimentos ultraprocessados; frutas; vegetais; grãos inteiros; feijões e outras leguminosas; nozes; carne vermelha e açúcar de mesa. Esses grupos foram subdivididos em três categorias: ‘comer mais’ (alimentos vegetais in natura ou minimamente processados, frutas, verduras e legumes, feijão e outras leguminosas, grãos integrais e nozes), ‘limitar’ (carne vermelha, alimentos processados e açúcar de mesa) e ‘evitar’ (alimentos ultraprocessados). Foi analisada a associação entre os quartis dos escores da Escala de Práticas Alimentares e o percentual de energia dos grupos alimentares.

Os participantes, em sua maioria, eram do sexo feminino (52,6%), com ensino médio completo (69,1%), entre 40 e 59 anos de idade (35,7%), declararam raça/cor de pele branca (56,7%), e residiam na região foi a Sudeste (37,4%). Entre o menor e o maior quartil de adesão às práticas alimentares, observou-se que a proporção de mulheres tendeu a aumentar, enquanto a de homens tendeu a diminuir. A proporção de pessoas com maior adesão às práticas alimentares foi relativamente maior na região Sul e menor nas regiões Norte e Nordeste do país. Em geral, idosos e aqueles com ensino superior apresentaram maior consumo de alimentos da categoria ‘comer mais’ e menor consumo de alimentos ultraprocessados.

A maioria dos grupos alimentares esteve linearmente associada às práticas alimentares na direção esperada (direta para os grupos alimentares ‘comer mais’ e inversa para os grupos alimentares a serem limitados ou evitados), com exceção da carne vermelha. Observou-se que os indivíduos no quartil mais alto de adesão às práticas alimentares consumiram aproximadamente 10% mais alimentos vegetais in natura ou minimamente processados e menos alimentos ultraprocessados em comparação com aqueles no grupo de menor adesão às práticas alimentares.

De uma forma geral, a adesão às práticas alimentares saudáveis e sustentáveis como planejar refeições, envolver-se no preparo das refeições, fazer compras em locais que oferecem opções saudáveis, comer de forma consistente e não pular refeições esteve associada a uma melhor qualidade da dieta, refletida pelo maior consumo de alimentos do grupo ‘comer mais’ e também ao menor consumo de alimentos ultraprocessados, que devem ser evitados segundo o GAPB. A única exceção foi o consumo de carne vermelha, item do grupo ‘limitar’, que não esteve associado à adesão às práticas alimentares.

Portanto, os achados deste estudo mostram que as recomendações voltadas às práticas alimentares refletem um consumo alimentar de melhor qualidade, indicando a efetividade da estratégia adotada pelas diretrizes alimentares brasileiras através do GAPB. Neste sentido, as políticas públicas devem ter como objetivo promover as práticas alimentares saudáveis e sustentáveis, abordando fatores ambientais e de estilo de vida como o aumento do número de feiras, a implementação de impostos sobre os alimentos ultraprocessados, a introdução da rotulagem frontal dos alimentos embalados e o apoio a iniciativas que melhorem o tempo, os recursos físicos e financeiros dos indivíduos para uma alimentação saudável.

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