O crescimento e desenvolvimento infantil estão associados ao desenvolvimento de doenças crônicas na vida adulta. A baixa estatura, um indicador de um ambiente e nutrição deficientes na infância, está ligada à mortalidade adulta. Já o aumento do IMC está associado a doenças cardiovasculares, diabetes e alguns tipos de câncer. Durante o século 20, a altura média aumentou devido à melhoria na nutrição e saúde infantil, mas as tendências variaram entre países com diferentes níveis econômicos. Globalmente, o sobrepeso e a obesidade continuam a aumentar em todas as idades. No Brasil, a altura média das crianças aumentou desde a década de 1950, enquanto as tendências de sobrepeso/obesidade na infância são menos consistentes. Há evidências limitadas sobre as tendências recentes de crescimento infantil em países de baixa e média renda devido à falta de dados longitudinais. Este estudo investiga como as trajetórias de crescimento em altura e IMC mudaram recentemente em uma coorte de mais de 5 milhões de crianças brasileiras de baixa renda.
O presente estudo usou dados da coorte de 100 milhões de brasileiros, que foi criada pela vinculação de três bancos de dados administrativos brasileiros: Cadastro Único (CadUnico), Sistema de Informação sobre Nascidos Vivos (SINASC) e Sistema de Vigilância Alimentar e Nutricional (SISVAN). CadUnico inclui dados de mais de 114 milhões de indivíduos de baixa renda registrados entre 2008 e 2017. SINASC contém informações detalhadas sobre mães e recém-nascidos, com alta cobertura e confiabilidade. SISVAN monitora a situação alimentar e nutricional da população, registrando dados antropométricos e de consumo alimentar.
A amostra do estudo incluiu 5.750.214 crianças de 3 a 10 anos, com pelo menos duas medições de altura e/ou IMC entre 2008 e 2017. Foram excluídas crianças com dados faltantes ou valores implausíveis. As medidas de altura e peso foram registradas no SISVAN e os escores z para altura e IMC foram calculados usando referências da OMS.
As crianças incluídas no estudo tiveram, em média, 3,5 medições cada uma. A coorte nascida entre 2008-2014 apresentou um pequeno aumento no peso médio ao nascer (cerca de 30 g) e as crianças eram mais altas em comparação com a coorte de 2001-2007, com escores z de altura de 0,145 para meninos e 0,119 para meninas. As trajetórias médias de altura entre 3 e 10 anos aumentaram cerca de 1 cm para ambos os sexos na coorte mais recente.
Houve um ligeiro aumento nos escores z médios do IMC: 0,060 em meninos e 0,043 em meninas. As trajetórias médias do IMC mudaram pouco, com pequenos aumentos na média do IMC, de aproximadamente 0,06 kg/m² para meninos e 0,08 kg/m² para meninas. A prevalência de sobrepeso/obesidade aumentou entre as coortes: de 10,9% para 11,8% em meninos e de 9,6% para 10,5% em meninas menores de 5 anos, e de 26,8% para 30% e de 23,9% para 26,6%, respectivamente, para meninos e meninas entre 5 e 10 anos.
A tendência de aumento da altura foi observada em várias populações, incluindo países emergentes como China e Coreia do Sul. Em contraste, na África Subsaariana, houve estagnação ou diminuição. No Brasil, estudos indicam um aumento da altura desde a década de 1950, mas há poucos estudos populacionais recentes que realizaram esta análise. Este estudo encontrou que as trajetórias de altura de crianças entre 3 e 10 anos aumentaram em 1 cm, refletindo o rápido desenvolvimento econômico e melhorias nos padrões de vida e educação das mães, cuja proporção com ≥8 anos de escolaridade aumentou de 34% para 52%.
Melhorias nas condições sociais, sanitárias e de saúde, incluindo a redução da pobreza, aumento da urbanização e melhor acesso à água potável e saneamento, contribuíram para o aumento da altura. Políticas e programas nacionais, como o Sistema Único de Saúde (SUS) e o programa Bolsa Família (PBF), também desempenharam um papel crucial, com o PBF ajudando a reduzir a mortalidade infantil e quebrar o ciclo intergeracional de pobreza.
Estudos globais mostram que o IMC médio e a prevalência de sobrepeso/obesidade aumentaram em crianças e adolescentes antes de 2000, especialmente em países de alta renda, onde as tendências se estabilizaram após 2000. Em países de baixa e média renda, como partes da Ásia, essas tendências continuam a aumentar. No Brasil, a prevalência de sobrepeso foi estável entre 1974 e 2006, mas aumentou entre 2009 e 2017. Este estudo encontrou pouco aumento nas trajetórias de IMC entre crianças nascidas após 2000, mas a prevalência de sobrepeso e obesidade permaneceu elevada, especialmente entre crianças de 5 a 10 anos. Este aumento reflete uma rápida transição nutricional, demográfica e epidemiológica, com mudanças nos padrões alimentares, aumento do consumo de alimentos ultraprocessados e sedentarismo.
Crianças de famílias de baixa renda enfrentam maiores restrições ao acesso à recreação e atividade física devido à falta de segurança em áreas urbanas e preocupações dos pais. A pobreza e a violência nos bairros impactam negativamente a atividade física ao ar livre das crianças. Pesquisas mostram que crianças que passam mais tempo ao ar livre são mais ativas, menos sedentárias e têm menor IMC.
A pandemia de COVID-19 pode ter impactado negativamente o crescimento e o estado nutricional das crianças, especialmente aquelas de baixa renda, devido ao aumento do sedentarismo e às restrições de mobilidade. Estudos futuros que incluam dados a partir de 2020 fornecerão evidências importantes sobre o impacto da pandemia no crescimento e saúde infantil.
As tendências de crescimento infantil observadas refletem o impacto das políticas de saúde e bem-estar, destacando a necessidade de desenvolver estratégias de intervenção precoce para prevenir o desenvolvimento da obesidade, especialmente em crianças de meios desfavorecidos, visando reduzir o risco de doenças crônicas no futuro.