Obesidade modifica relação entre raça e mortalidade por COVID-19

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Em 2020, o mundo enfrentou a pandemia de COVID-19 e suas graves consequências, incluindo o aumento do risco de mortalidade em indivíduos com obesidade e outras doenças crônicas não transmissíveis. No início da pandemia de COVID-19, alguns estudos apontaram para desigualdades raciais/étnicas nas taxas de infecção e mortalidade. Nos Estados Unidos e no Brasil, por exemplo, as evidências indicavam maior risco de hospitalização e morte entre a população negra.

No Brasil, a obesidade também apresenta maior prevalência entre mulheres negras de baixo status socioeconômico. O racismo, enquanto fator de risco para obesidade, age como um estressor social crônico, com consequências fisiológicas, psicológicas e comportamentais. A pandemia de COVID-19, por sua vez, impôs desafios adicionais a população negra, incluindo dificuldades na adoção do distanciamento social, desigualdades socioeconômicas, presença de doenças crônicas e dificuldades de acesso ao sistema de saúde.

Neste contexto, o presente estudo objetivou investigar a relação entre raça e mortalidade por COVID-19 no Brasil, além de compreender o efeito modificador da obesidade nessa relação.

Trata-se de um estudo de coorte retrospectiva, realizado com dados de indivíduos com 19 anos ou mais, internados em hospitais públicos e privados devido à síndrome respiratória aguda grave (SRAG) provocada pela COVID-19 (infecção por SARS-CoV-2) no Rio Grande do Sul, entre março de 2020 e dezembro de 2021. Os dados foram extraídos do Sistema de Informação de Vigilância Epidemiológica (SIVEP-Influenza), disponível publicamente no DataSUS.

As variáveis foram coletadas dos registros individuais de internação e no momento da admissão os indivíduos ou acompanhantes foram questionados sobre a sua raça, de acordo com a metodologia do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística e posteriormente foram agrupados em categorias: branco (categoria adotada como referência nas análises), pardo e preto. Além disso, também havia questões sobre a presença atual de 12 comorbidades, incluindo a obesidade, e dados socioeconômicos e demográficos foram autorrelatados. Adicionalmente, coletou-se informações sobre os cuidados recebidos durante a hospitalização, como a admissão em unidade de terapia intensiva (UTI) e necessidade de suporte ventilatório. A incidência cumulativa de mortalidade hospitalar por COVID-19 (morte hospitalar por COVID-19/alta com vida) for avaliada por meio dos dados extraídos de certidões de óbito preenchidas pelo médico assistente.

O estudo incluiu dados de 113.737 indivíduos, dos quais 84,9% se declararam brancos e 54,7% eram do sexo masculino, com média de idade foi de 59,28 anos (desvio-padrão de 16,53 anos). Aproximadamente 70% dos pacientes apresentavam pelo menos um fator de risco, sendo as doenças cardiovasculares e diabetes as mais prevalentes, com 35,4% e 24,3%, respectivamente. Em termos de tratamento, 86,9% dos pacientes necessitaram de suporte ventilatório e 36,1% foram internados em UTI.

A incidência cumulativa de mortalidade por COVID-19 foi de 33,46%, sendo mais alta em mulheres com obesidade, mulheres pretas, indivíduos com idade maior ou igual a 74 anos, sem escolaridade ou analfabetos, com diabetes, doença cardiovascular ou outros fatore de risco. A mortalidade por COVID-19 também foi associada ao uso de ventilação mecânica invasiva e à admissão em UTI.

Dentre os indivíduos do estudo, 14,2% relataram ter obesidade, sendo mais prevalente entre mulheres que necessitaram de ventilação invasiva (26,4%) e internação em UTI (24,9%).

Indivíduos pardos e pretos apresentaram uma probabilidade 39%  e 30% maior de morrer de COVID-19, respectivamente, em comparação com indivíduos brancos. Juntos, os indivíduos pardos e pretos tiveram uma probabilidade 1,34 vezes maior  de morrer por COVID-19, em comparação com indivíduos brancos. As mulheres pardas apresentaram uma probabilidade de morte 1,47 vezes maior  em comparação com as mulheres brancas.

Ao analisar a associação entre raça e mortalidade por COVID-19 estratificada pela presença de obesidade, observou-se que as mulheres pretas apresentaram maior mortalidade apenas na ausência de obesidade, enquanto as mulheres pardas mostraram maior mortalidade em ambos os grupos, com as mulheres pardas com obesidade apresentando maiores medidas de efeito. Quando analisadas em conjunto, mulheres pardas e pretas apresentaram maior probabilidade de mortalidade, independentemente da presença de obesidade.

Esses resultados indicam que indivíduos pardos e pretos têm maior probabilidade de morte por COVID-19 em comparação com indivíduos brancos, com destaque para o impacto nas mulheres pardas. A obesidade foi identificada como um modificador de efeito na associação entre raça e mortalidade por COVID-19. Ao comparar indivíduos brancos com pretos, ou pardos e pretos, observou-se que a mortalidade era mais alta entre aqueles sem obesidade. Contudo, uma exceção foi encontrada entre as mulheres pardas com obesidade, que apresentaram maiores chances de morte em comparação com as mulheres pardas sem obesidade. Esses resultados são consistentes com estudos anteriores que indicam maior mortalidade por COVID-19 entre a população negra, e os autores destacam a importância de se analisar a interseccionalidade de gênero e raça, a fim de reconhecer as múltiplas identidades sociais que não são captadas por abordagens tradicionais que analisam essas identidades de forma isolada.

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