A pandemia de COVID-19 teve um impacto significativo na saúde mental dos indivíduos, aumentando o estresse psicológico, que está associado à alimentação emocional e aos sintomas de dependência de alimentos ultraprocessados (AUP). Nesse contexto, o presente artigo teve como objetivo investigar se os sintomas de dependência de AUP mediam a relação entre o estresse psicológico devido à pandemia de COVID-19 e o comportamento alimentar emocional.
O estresse psicológico pode desencadear adaptações neurobiológicas que geralmente afetam os circuitos cerebrais motivacionais relacionados à alimentação, com consequências para o comportamento alimentar, como a alimentação excessiva e pouco saudável. Assim, esperava-se que o aumento das emoções negativas e dos níveis de estresse durante a pandemia da COVID-19 induzisse a um comportamento alimentar emocional.
Além do estresse psicológico, é relatado na literatura que o vício em comida está relacionado ao comer emocional. A dependência alimentar é considerada uma dependência baseada em substâncias presentes em AUP, já que nem todos os alimentos são viciantes. Os AUP passam por várias etapas de processamento industrial que promovem mudanças físicas e químicas que impulsionam o comportamento aditivo, como a diminuição do teor de água, que também diminui a saciedade, o excesso de aditivos alimentares, açúcar, sal e cafeína. A combinação das características físicas e químicas dos AUP pode potencialmente levar a deficiências comportamentais neurobiológicas e psicológicas associadas à dependência de substâncias, semelhantes à dependência de drogas. Alguns desses sintomas incluem superexpressão de opioides e dopamina, juntamente com abstinência, tolerância e perda de controle.
Os comprometimentos psicológicos e comportamentais ligados ao consumo de AUP atendem aos critérios do Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM-5) para transtorno por uso de substâncias, embora o vício em comida não seja atualmente classificado como uma condição no DSM-5. Embora as evidências que apoiam o conceito de alimentação viciante estejam crescendo, um ponto crucial do debate é classificar os alimentos como viciantes para ter o vício em comida incluído no DSM-5.
O estresse parece induzir a desregulação dos sistemas motivacionais no cérebro, o que aumenta o risco de dependência alimentar. Para indivíduos que sofrem de estresse, comer pode alterar o equilíbrio neuroendócrino (por exemplo, desregulação do eixo hipotálamo-hipófise adrenocortical), o que pode sensibilizar ainda mais o centro de recompensa do cérebro e criar um ciclo de feedback positivo para sustentar a estimulação opioide de alimentos hiper palatáveis, como AUP. O estresse e o comportamento de dependência alimentar podem, portanto, ser um processo de retroalimentação. Assim, é provável que o estresse psicológico após a pandemia de COVID-19 possa desencadear o desejo de consumir AUP. Por sua vez, os AUP podem confortar indivíduos em um estado de estresse, aumentando o consumo de alimentos em resposta ao estresse (ou seja, comer emocional).
O presente trabalho consiste em um estudo transversal online conduzido de maio a novembro de 2021 com estudantes de graduação brasileiros. Os participantes responderam a perguntas demográficas e completaram escalas validadas, incluindo a Medida de Estresse do Coronavírus, a Escala de Dependência Alimentar de Yale Modificada 2.0 e o Questionário de Alimentação Emocional. A análise de mediação foi empregada para examinar as relações hipotéticas.
A amostra final consistiu em 368 participantes com idades entre 18 e 30 anos. A maioria dos participantes eram mulheres (66,8%) e brancas (59,5%). Estudantes em vulnerabilidade social que recebiam renda mensal inferior a aproximadamente 1,5 salário-mínimo no Brasil representaram 33,3% da amostra. Participaram do estudo estudantes de todas as principais áreas do conhecimento, sendo as ciências sociais (44%) as mais representativas. O IMC médio calculado a partir do peso e altura relatados foi de 23,1 kg/m².
Os achados sugeriram que os sintomas de dependência de AUP desempenharam um papel significativo como mediador na amostra de estudantes brasileiros de graduação: os sintomas de dependência alimentar foram responsáveis por 64% do efeito. Esses resultados confirmam a hipótese proposta pelos autores de que o estresse percebido durante a pandemia de COVID-19 influenciou o comportamento alimentar emocional de estudantes universitários por meio de sintomas de dependência alimentar, que estão relacionados especificamente ao consumo de AUP. Nesse contexto, ambientes alimentares mais saudáveis, abrangendo, inclusive, todos os ambientes educacionais são recomendados para reduzir o comportamento alimentar emocional entre estudantes no Brasil.