Dietas não saudáveis são um dos fatores de risco responsáveis pelo maior número de mortes e anos de vida ajustados por incapacidade em todo o mundo. Em geral, tais dietas são caracterizadas predominantemente por alimentos ultraprocessados, com elevado teor de sódio, açúcar e gorduras. Além disso, os ultraprocessados possuem características que estimulam o seu consumo, como o baixo preço, o acesso facilitado, a praticidade e a promoção, contribuindo assim para ambientes alimentares pouco saudáveis. Sabe-se que os ambientes alimentares têm forte influência na dieta da população e podem contribuir para ampliar as desigualdades em saúde, alterando a disponibilidade e distribuição dos alimentos, incluindo o preço e a qualidade nutricional, impactando em desfechos nutricionais e de saúde.
Neste cenário, muitos países têm adotado ações coletivas nos últimos anos, como criação de políticas públicas para promoção de ambientes alimentares saudáveis. Essas políticas podem ser a nível nacional, estadual e/ou municipal e tem como objetivo tornar alimentos saudáveis mais facilmente disponíveis e acessíveis e limitar a disponibilidade, acesso e promoção de opções não saudáveis. Na formulação e implementação dessas políticas, as evidências científicas desempenham um papel fundamental, provendo por exemplo, dados sobre eficácia, a relação custo-efetividade e a viabilidade para as decisões políticas.
Diante disso, o objetivo deste estudo foi avaliar a amplitude e a natureza das pesquisas primárias que avaliam a eficácia, a relação custo-efetividade, o desenvolvimento e a implementação de políticas de ambiente alimentar obrigatórias, voluntárias ou parcerias público-privadas em nível internacional, nacional e estadual entre os anos de 2010-2020.
Para isso, utilizou-se um mapa de evidências, incluindo a busca sistemática em 14 bases de dados. A extração de dados envolveu as características gerais da política, como países e regiões, nomes das políticas, nível (internacional, nacional, estadual), abordagem regulatória (obrigatória, voluntária pelo setor público, privado ou parcerias público-privadas, ou “mista” quando envolvia um componente obrigatório e voluntário) e os tipos de políticas voltadas para o ambiente alimentar.
Foram incluídas 482 publicações com avaliação de pesquisas primárias que atenderam aos critérios de elegibilidade para o mapa de evidências. Há um aumento significativo no número de publicações a cada ano, variando de 23 em 2010 a 85 em 2020, mas com desigualdades geográficas aparentes. O maior número de publicações é dos EUA com 30% dos estudos, seguido de 11% do Reino Unido, 10% da Austrália, 9% do Canadá, 8% do México, 5% do Brasil, 4% do Chile. A França, Espanha e a Dinamarca, tiveram 3% cada, Nova Zelândia e África do Sul, 2%. Não foram identificadas publicações de nenhum país da Ásia Central e apenas 3 publicações avaliaram o Caribe.
Dentre as políticas avaliadas, 236 eram de nível nacional, 26 consistiam em “grupos” de políticas estaduais (por exemplo, políticas de alimentação escolar de diferentes estados do mesmo país), 9 eram de nível internacional e 1 com um componente nacional e estadual. As 5 políticas mais avaliadas foram: os padrões de alimentação escolar dos estados dos EUA (n=37); a iniciativa de publicidade infantil para alimentos e bebidas (um código nacional voluntário de autorregulação da indústria de publicidade dos EUA) (n=21), o imposto nacional mexicano sobre bebidas adoçadas (n=19), o imposto nacional sobre refrigerantes do Reino Unido (n=14) e vários impostos estaduais sobre bebidas adoçadas nos EUA (n=14). Os últimos 3 impostos juntos representaram 54% das publicações sobre intervenções econômicas. As 3 políticas internacionais mais avaliadas foram “Australasian Health Star Rating” (Austrália e Nova Zelândia, n=11), o “European Union Pledge” (União Europeia, n=5) e o Código Internacional de Comercialização de Substitutos do Leite Materno da Organização Mundial de Saúde (n=5).As políticas obrigatórias foram o mecanismo regulatório mais comumente avaliado em todas as regiões. Cerca de 80% das publicações avaliaram a eficácia de uma política, 14% os fatores que afetam sua implementação, 7% os fatores que influenciam seu desenvolvimento e outras publicações também avaliaram como uma política foi retratada nas notícias (2%), respostas a consultas públicas (2%) e o custo-efetividade (1%).
Entre as publicações que avaliaram a eficácia, foram documentadas aquelas que compararam os resultados de uma política entre dois ou mais grupos populacionais com base em características de equidade (modelo PROGRESS-Plus) ou características sociodemográficas. Quase metade dos estudos não consideraram nenhuma característica de equidade, cerca de 50% avaliaram pelo menos uma, e 21% avaliaram pelo menos duas. A idade foi a característica mais avaliada (29%), seguida por educação (16%), nível socioeconômico individual (15%), gênero/sexo (13%), raça e cultura (11%) e local (8%). A equidade foi mais frequentemente considerada em estudos dos Estados Unidos (n = 75), Austrália (n = 20), Canadá e México (n = 18 cada), Reino Unido (n = 17) e Chile e França (n = 8 cada). Embora o número absoluto de publicações que relataram pelo menos uma característica de equidade tenha aumentado nos anos mais recentes, sua proporção caiu de 72% (13 de 18) em 2010 para 40% (28 de 70) em 2020.
O presente estudo forneceu um mapa de evidências que documenta as características das políticas de ambiente alimentar, avaliadas ao longo de uma década, e revela desigualdades globais marcantes. Destaca-se que há um limitado número de publicações em países de baixa renda e tal desequilíbrio geográfico é particularmente preocupante visto que a carga de doenças relacionadas à dieta é maior em países e regiões do mundo que estão ausentes ou pouco representados no mapa de evidências. Torna-se evidente a necessidade de avançar com pesquisas que incluam características de equidade nas avaliações de políticas e a compreensão de políticas público-privada.