Obesidade e interseccionalidade nas políticas públicas de saúde no Brasil

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A obesidade é considerada um problema de saúde pública e fator de risco para diversas doenças crônicas não transmissíveis (DCNT). Em países em desenvolvimento, onde há profundas desigualdades sociais, como acontece no Brasil, a obesidade impacta os indivíduos de formas diferentes, quando consideramos marcadores sociais como aspectos raciais, de gênero/sexo e classe social.

As políticas públicas de saúde ocupam um papel central nessa agenda como medida de intervenção, uma vez que aquelas que não consideram os determinantes sociais da saúde tendem a perpetuar uma série de desconexões com a realidade vivida pelas pessoas que pretendem alcançar. Como ferramenta analítica, a perspectiva da interseccionalidade considera que as categorias de raça, etnia, classe, gênero, orientação sexual, nacionalidade, capacidade e faixa etária, entre outras, estão inter-relacionadas e moldam-se mutuamente e, nesta perspectiva, a interseccionalidade é uma forma de entender e explicar a complexidade do mundo.

Um estudo realizou análise crítica das narrativas das políticas públicas de saúde brasileiras no cuidado de pessoas com obesidade a partir de uma abordagem interseccional. Trata-se de um estudo qualitativo exploratório, documental e analítico. Foram incluídos no estudo políticas públicas e documentos oficiais que abordam a promoção à saúde e a prevenção da obesidade, com centralidade na atenção primária à saúde (APS), disponíveis em sites oficiais e na biblioteca virtual do Ministério da Saúde.

Foram selecionados 10 documentos, publicados entre 2004 e 2021. A análise crítica das narrativas foi categorizada em três eixos, sendo eles: (1) “causas da obesidade e narrativa dominante: quais os problemas representados?”, (2) “narrativa dominante e cuidado em saúde: quais são os efeitos para as pessoas com obesidade?”, (3) “obesidade e interseccionalidade: onde estão os silêncios?”.

Os documentos analisados apresentaram discurso similar quanto às causas da obesidade e a narrativa dominante destaca que o balanço energético positivo, somado à inexistência de prática de atividade física, é a causa central da obesidade. Os determinantes sociais da saúde (DSS) e a vulnerabilidade social são apresentados de forma conceitual e não atrelados à causa da obesidade. Os DSS são abordados a partir das possibilidades de auxiliar ou dificultar a narrativa dominante e a classe social é referida nos documentos a partir do impacto da renda na aquisição de alimentos, mas não é contextualizada aos demais efeitos de tal determinante no cuidado das pessoas com obesidade.

Mesmo quando as diretrizes apresentam uma narrativa de multicausalidade da obesidade, as recomendações ainda se concentram prioritariamente os aspectos biológicos e no cuidado em ações individualizadas focadas essencialmente no balanço energético, o que reforça a culpabilização, estigmatização, preconceito e discriminação das pessoas com obesidade.

Em geral, questões de gênero/sexo, raça/cor e classe social são descritas nas introduções como marcadores sociais importantes e que tem relação com a obesidade, mas tal relação é pouco explorada e/ou incorporada nas estratégias e ações das políticas públicas. Para além disso, a raça/cor não esteve presente nos documentos, tampouco o racismo foi abordado como potencializador das vulnerabilidades para o surgimento/agravamento da obesidade.

O cuidado intersetorial é citado como necessário na atenção à saúde dos indivíduos com obesidade, porém, embora os documentos apresentem essa discussão conceitual, não foi percebida sua incorporação nas ações, pois elas se concentram nas “soluções” para a narrativa dominante (balanço energético positivo e ausência de atividade física). Embora descrito que ações individuais são menos efetivas do que as realizadas em coletivo, como no Caderno de Atenção Básica nº35, de forma geral, as ações propostas continuam pautadas em intervenções individuais com foco nas escolhas alimentares e na prática de exercício físico.

A análise crítica dos documentos identificou a interseccionalidade como um silêncio nas políticas públicas de saúde direcionadas ao cuidado da obesidade. A narrativa dominante apresentada como causa da obesidade nas políticas públicas analisadas representa um caráter simplista e uma grande lacuna uma vez que movimentar o corpo e se alimentar de forma saudável não são ações suficientes para superar uma gama de problemas sociais atrelados ao surgimento e/ou agravamento da obesidade.

As intersecções atuam de forma ampla, e não estão ligadas apenas às questões biológicas, como encontradas nas narrativas dominantes, por este estudo. A interseccionalidade é fundamental para o debate e para a construção de políticas públicas de saúde e sua inserção contribui para a compreensão das iniquidades provenientes dos marcadores sociais e necessitam ser contempladas como parte das soluções propostas pelas políticas públicas de saúde.

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