Consumo de alimentos ultraprocessados e sintomas de depressão

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A etiologia da depressão compreende a interação de vários fatores de ordem biológica, psicológicas e sociais. Alguns estudos epidemiológicos transversais de larga escala têm reportado relação entre alimentação saudável e menor risco de depressão. Por outro lado, uma alimentação baseada em alimentos não saudáveis tem sido associada a problemas de saúde mental. Estudos recentes têm mostrado uma associação entre o consumo de alimentos ultraprocessados e obesidade, hipertensão, distúrbios metabólicos e câncer. Em 2019 foi publicado um estudo, liderado por pesquisadores franceses, cujo objetivo foi investigar, pela primeira vez, a associação prospectiva entre participação energética de alimentos ultraprocessados na alimentação e o risco de sintomas depressivos.

Os dados do estudo foram baseados no estudo de coorte NutriNet-Santé, cujos participantes são voluntários, adultos (com idade superior a 18 anos) e com acesso à Internet, recrutados da população geral da França. Um total de 26.730 participantes foram incluídos na análise, sendo 6.350 homens e 20.380 mulheres com idade média de 47,26 anos. Os sintomas depressivos foram avaliados após a inclusão dos indivíduos, e a cada 2 anos, utilizando-se a versão francesa da escala validada do Center of Epidemiologic Studies Depression (CES-D). A escala CES-D é composta por 20 itens que avaliam a frequência de sintomas depressivos expressos na semana anterior. O estudo utilizou pontos de corte definidos pela França para avaliar a presença de sintomas depressivos (CES-D ≥ 17 em homens e ≥ 23 em mulheres).

A análise dos dados dietéticos e do consumo de alimentos ultraprocessados foi realizada no momento da inclusão na coorte e a cada 6 meses. Nas ocasiões, os participantes foram convidados a fornecer três registros alimentares de 24 horas de dias não consecutivos. Todos os alimentos foram classificados segundo a classificação NOVA, nos quatro grupos (alimentos in natura ou minimamente processados; ingredientes culinários; processados; e ultraprocessados), entretanto, o foco do presente estudo consistiu nos alimentos ultraprocessados. Foi calculada a participação energética (%) de alimentos ultraprocessados na alimentação para cada participante do estudo.

O consumo médio de alimentos ultraprocessados correspondeu a 32% do valor energético total e esteve associado a uma dieta nutricionalmente menos saudável. Também foi observada correlação negativa entre o consumo de alimentos ultraprocessados e a ingestão de micronutrientes (beta-caroteno, vitamina C, ácido fólico, vitamina B12, magnésio e fibras) e ácidos graxos ômega-3.

No modelo principal, ajustado para dados sociodemográficos e de estilo de vida, foi observada uma relação forte e linear entre a participação de alimentos ultraprocessados na alimentação e o risco de sintomas depressivos. Um aumento de 10% do consumo de alimentos ultraprocessados foi associado a um risco 21% maior de sintomas depressivos. Ao investigar os subgrupos de alimentos ultraprocessados, foi encontrada uma associação positiva para bebidas, molhos ou gorduras adicionados. A associação entre a participação de alimentos ultraprocessados e o risco de sintomas depressivos foi mais forte em participantes com baixa ingestão de energia em comparação com suas necessidades. Este resultado pode sugerir que uma ingestão limitada de energia associada a uma grande participação de alimentos ultraprocessados na alimentação pode limitar a ingestão de micronutrientes bioativos que são benéficos para a prevenção da depressão.

Os autores sugerem que a ligação entre consumo de alimentos ultraprocessados e depressão pode ser explicada, ao menos em parte, pelo efeito de alguns componentes não nutritivos usados ou produzidos durante o processamento industrial. Os aditivos dos alimentos ou as moléculas resultantes do aquecimento a alta temperaturas podem, entre outras coisas, causar alterações na microbiota intestinal cuja relação com saúde mental já foi evidenciada.

O estudo sugere que o benefício decorrente da redução no consumo de alimentos ultraprocessados pode ser ainda maior em outras populações, uma vez que, enquanto o consumo de alimentos ultraprocessados representou 32% da energia na população francesa, no Reino Unido e nos Estados Unidos este consumo representa 53% e 57,5%, respectivamente. Diante deste consumo elevado, a redução no consumo de alimentos ultraprocessados pode ser uma importante estratégia de saúde pública para prevenção da depressão.

Para ler o artigo na íntegra, clique aqui.

 

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