Disponibilidade de alimentos saudáveis é determinante para o consumo alimentar de crianças e adolescentes
O ambiente alimentar pode ser definido segundo o ambiente físico, econômico, político e sociocultural em que os indivíduos interagem e consequentemente são influenciados quanto a escolha, preparo e consumo dos alimentos. O ambiente alimentar pode ser dividido em: comunitário, organizacional, do consumidor e de informação. O ambiente alimentar comunitário refere-se à distribuição, número, tipo, localização e acessibilidade física dos estabelecimentos que comercializam alimentos. O ambiente organizacional está relacionado a estabelecimentos que comercializam alimentos dentro de instituições, como as escolas.
É reconhecida a importância da disponibilidade de alimentos saudáveis dentro e fora das escolas como determinantes do consumo alimentar de crianças e adolescentes. Para este grupo etário, os comportamentos são influenciados principalmente pela família e pelo ambiente escolar. De acordo com a literatura, o padrão alimentar adotado por crianças e adolescentes está em direção oposta ao recomendado, prevalecendo o elevado consumo de alimentos não saudáveis e o baixo consumo de alimentos saudáveis.
Alimentos saudáveis são aqueles in natura ou minimamente processados, enquanto que os não saudáveis são os alimentos ultraprocessados. Esta ideia se estende para classificar os estabelecimentos, levando-se em consideração o perfil de alimentos comercializados. Quando o ambiente contribui para escolhas alimentares não saudáveis, ele é considerado um ambiente obesogênico.
A escola e entorno constituem um ambiente alimentar
O acesso físico aos alimentos no entorno escolar tem sido considerado um ponto-chave para a compreensão da influência do ambiente sobre as escolhas alimentares de crianças e adolescentes. Existem evidências de que o entorno das escolas tem características de um ambiente obesogênico; por isso, é importante a avaliação da existência dos pântanos alimentares, que são as vizinhanças em que as opções de alimentos não saudáveis são abundantes.
Nesse sentido, um estudo ecológico teve por objetivo avaliar o ambiente alimentar comunitário e a existência de pântanos alimentares no entorno das escolas públicas e privadas de Belo Horizonte, Minas Gerais, Brasil.
Estudo mapeou o entorno de escolas de públicas e privadas para avaliar o ambiente alimentar
Para caracterizar o ambiente alimentar comunitário no entorno das escolas, foi desenvolvido um banco de dados com informações relativas aos endereços das escolas inseridas no estudo e dos estabelecimentos de venda de alimentos de consumo imediato (como lanchonetes, bares, restaurantes), utilizando-se a Classificação Nacional de Atividades Econômicas referente ao ano de 2015. Para o levantamento dos dados dos estabelecimentos que comercializam alimentos foram utilizadas informações de duas fontes governamentais: Superintendência de Arrecadação e Informações Fiscais da Secretaria da Fazenda do Estado de Minas Gerais e a da Secretaria Municipal Adjunta de Fiscalização. Os estabelecimentos discordantes entre as duas fontes de dados foram conferidos utilizando-se a ferramenta Google Street View.
Como unidade de análise para avaliar o ambiente alimentar, utilizou-se a escola como referência central e o entorno, considerando um raio de 250 metros (buffer), que corresponde a, aproximadamente, cinco minutos de caminhada. Para identificar os pântanos alimentares no entorno das escolas, foram identificadas todas as lanchonetes, mercearias e lojas de doce naquele território e, quando encontrada uma quantidade destes estabelecimentos maior ou igual a quatro, o local foi classificado como pântano alimentar.
Foram incluídas no estudo todas as escolas de Educação Infantil, de Ensino Fundamental e Ensino Médio. Em relação às escolas, foram avaliadas a dependência administrativa e o tipo de ensino ofertado, bem como a renda per capita dos setores censitários onde estão localizadas. Contabilizaram-se também as informações sobre os estabelecimentos de venda de alimentos para o consumo imediato que estavam no entorno das escolas.
Para verificar a renda per capita do setor censitário da escola foram utilizados os dados de renda e de população do Censo Demográfico de 2010 do IBGE. A variável “renda per capita dos setores censitários” foi categorizada em terços de renda (em Reais): 1º terço(R$159,60 -R$571,58); 2º terço(R$571,59 -R$1.193,88); e 3º terço(1.193,89 -R$ 8.388,16). Com base nesses dados, foi atribuído à escola o terço de renda referente ao setor censitário no qual a ela estava localizada.
Quase todas as escolas tinham ao menos um estabelecimento de comércio de alimentos para consumo imediato no seu entorno e mais da metade estavam inseridas em um pântano alimentar
Das 1.436 escolas incluídas no estudo, 882 (61,4%) eram da rede privada e 554 (38,6%) eram da rede pública, 616 (42,9%) ofertavam Educação Infantil e 820 (57,1%) eram de Ensino Fundamental/Médio. Dentre as escolas privadas, 409 (46,9%) estavam localizadas em setores censitários de maior renda e, dentre as públicas, 237 (44,38%) estavam em locais de nível intermediário de renda. Em relação ao ambiente alimentar, foram identificados 13.504 estabelecimentos que comercializam alimentos ou refeições para o consumo imediato. Os estabelecimentos mais frequentes no entorno das escolas foram as lanchonetes (29,0%), os restaurantes (28,1%) e os bares (21,5%).
A análise dos entornos das escolas revelou que 97,4% destas tinham ao menos um estabelecimento de comércio de alimentos para consumo imediato, sendo que 82,2% apresentaram pelo menos uma lanchonete, 82,9% pelo menos um bar e 78,0% pelo menos um restaurante.
As lanchonetes foram os estabelecimentos com as maiores médias, independentemente do tipo de escola (pública ou privada) e tipo de ensino (Infantil ou Fundamental/Médio). Com exceção das mercearias, a média de todos os tipos de estabelecimentos foi maior no entorno de escolas privadas e que ofertavam Ensino Fundamental/Médio. Quando avaliada a renda per capita do entorno das escolas, os resultados apontaram que na medida em que há aumento da renda per capita do setor censitário, eleva-se também a média de todos os estabelecimentos, exceto as mercearias e os supermercados.
Escolas situadas em pântanos alimentares estão em sua maioria em setores censitários com renda intermediária
Considerando-se a disponibilidade de estabelecimentos não saudáveis no entorno das escolas, verificou-se que 54,6% delas estavam inseridas em um pântano alimentar. As escolas localizadas em pântanos alimentares estavam em sua maioria em setores censitários com renda intermediária (39,5%) e renda alta, eram escolas privadas (66,1%) e ofertavam Ensino Fundamental/Médio (58,2%).
Em relação às 37 escolas (2,6%) que não contavam com nenhum estabelecimento de consumo imediato em seu entorno, estas estavam localizadas em sua maioria em áreas de alta renda (41,2%) e de baixa renda(23,5%). No que diz respeito à dependência administrativa, a maioria das escolas sem nenhum estabelecimento no seu entorno eram públicas (59,5%) e ofertavam Ensino Fundamental (51,4%).
As evidências encontradas no estudo mostraram que entre as categorias avaliadas ocorre um predomínio de estabelecimentos que comercializam, predominantemente, alimentos ultraprocessados, como os bares e as lanchonetes no entorno das escolas.
Escolas situadas em pântanos alimentares podem expor crianças e adolescentes a um ambiente alimentar obesogênico
Outro achado relevante foi a presença de bares no entorno escolar. Além de esses estabelecimentos serem caracterizados por venderem, principalmente, alimentos e bebidas ultraprocessados, destaca-se o aspecto relacionado ao aumento da disponibilidade de bebidas alcoólicas no entorno das escolas.
Ademais, a maioria das escolas tem entornos classificados como pântanos alimentares, o que pode expor crianças e adolescentes a um ambiente alimentar obesogênico a curta distância de um local onde passam boa parte do seu tempo. Dessa forma, isso pode favorecer escolhas alimentares não saudáveis, exposição precoce a bebidas alcoólicas e, também, contribuir para o excesso de peso e comportamentos não saudáveis nesse público.
Para ler o artigo na íntegra, clique aqui.