Impacto do consumo de alimentos ultraprocessados em adolescentes
A substituição de alimentos in natura ou minimamente processados por alimentos ultraprocessados tem sido apontada como um fator de risco para o excesso de peso e doenças crônicas não transmissíveis. Crianças e adolescentes são mais vulneráveis ao consumo excessivo de alimentos ultraprocessados devido a sua elevada palatabilidade, praticidade, além do fácil acesso e intensa comercialização destes produtos no entorno das residências e no ambiente escolar.
Devido à relativamente recente classificação dos alimentos segundo extensão e propósito do seu processamento (classificação NOVA), existem poucos estudos sobre o impacto do consumo de alimentos ultraprocessados em adolescentes, e os resultados sobre os danos à saúde que esses alimentos impõem a essa faixa etária permanecem controversos. A avaliação da composição corporal pode ser mais sensível que simplesmente o uso do Índice de Massa Corporal (IMC) para detecção de mudanças precoces na constituição de gordura corporal e no percentual de massa magra em adolescentes. Um estudo publicado em 2020 teve como objetivo investigar a associação entre a participação de alimentos ultraprocessados na ingestão energética total e medidas de composição corporal de adolescentes, em coorte de nascimentos de São Luís, 1997/98.
Universidades se unem em grande estudo com adolescentes nascidos entre 1997 e 1998
O estudo fez parte do projeto RPS (Ribeirão Preto, Pelotas e São Luís), denominado “Determinantes ao longo da vida da obesidade, precursores de doenças crônicas, capital humano e saúde mental – Coortes RPS”, desenvolvido pela Universidade Federal do Maranhão (UFMA), Universidade de São Paulo (USP) de Ribeirão Preto e Universidade Federal de Pelotas (UFPel). A coleta de dados da linha de base deste projeto foi realizada de março de 1997 a fevereiro de 1998 em 10 maternidades públicas e privadas de São Luís/MA. Foram incluídos 2.542 nascimentos, com perda de 5,8% por recusa ou alta precoce. O primeiro acompanhamento da coorte foi realizado de 2005 a 2006. Naquela época, 926 crianças foram identificadas e 673 tiveram a concordância de seus responsáveis para participar. O segundo acompanhamento da coorte, cujos dados são utilizados no presente estudo, ocorreu em 2016 e todos os indivíduos incluídos na linha de base foram procurados nos colégios militares, escolas e universidades de São Luís. Os adolescentes identificados foram convidados a comparecer à sessão de acompanhamento e a amostra foi composta por 687 participantes. Para aumentar o poder amostral e prever perdas futuras, a coorte foi aberta para incluir outros indivíduos nascidos em São Luís/MA no ano de 1997. Estes foram incluídos através de sorteio no Sistema de Informação de Nascidos Vivos (SINASC), além de voluntários identificados em escolas e universidades, resultando em 1.828 participantes, submetidos aos mesmos testes e questionários que os participantes da coorte original. O total de adolescentes incluídos neste estudo foi 2.515, com idade entre 18 e 19 anos.
Métodos de avaliação corporal e nutricional foram combinados para coleta de dados sobre consumo de alimentos ultraprocessados em adolescentes
Por meio de um questionário semiestruturado foram avaliados: escolaridade do chefe da família, prática de dieta para perda de peso, tabagismo atual, consumo de bebidas alcoólicas e horas de sono. A prática de atividade física foi avaliada por meio de um Recordatório de Atividade Física de 24 horas e o tempo despendido em cada atividade foi multiplicado pelo equivalente metabólico (MET). Para avaliar o estado nutricional e a composição corporal, utilizou-se o índice de massa corporal (IMC) para a idade (calculado a partir de peso e altura aferidos), a circunferência da cintura (avaliada por scanner fotônico), o percentual de gordura corporal total (avaliado por pletismografia de deslocamento de ar), bem como gordura androide, a massa muscular (avaliados pelo DEXA) e o índice de massa magra. O consumo alimentar foi avaliado por meio do questionário de frequência de consumo de alimentos, convertida em consumo diário, usando tabelas de composição e rótulos de alimentos. Os alimentos foram classificados de acordo com a classificação NOVA em alimentos in natura ou minimamente processados, processados e ultraprocessados.
IMC: 1/4 dos adolescentes estudados estavam acima do seu peso ideal
O consumo alimentar médio dos adolescentes foi de 2.919,7kcal, sendo 58,0% derivados de alimentos in natura ou minimamente processados, 3,4% de alimentos processados e 37,0% de alimentos ultraprocessados. Este consumo médio de alimentos ultraprocessados é o dobro da média do consumo percentual dos alimentos ultraprocessados em relação à ingestão energética total de toda a população brasileira (21,5%), segundo a Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF 2008-2009).
Um total de 28,9% dos adolescentes foram identificados com alto percentual de gordura corporal. A partir dos dados de IMC, 20,5% dos adolescentes foram classificados com excesso de peso e 4,8%, com obesidade.
Quanto maior o consumo de alimentos ultraprocessados em adolescentes, menor a massa muscular e o percentual de massa magra
O alto consumo dos alimentos ultraprocessados foi associado à composição corporal dos adolescentes. A gordura androide aumentou com o aumento do consumo de alimentos ultraprocessados entre adolescentes do sexo masculino e não houve diferença para o sexo feminino. Em contrapartida, a massa muscular e o percentual de massa magra diminuíram quanto maior o consumo de alimentos ultraprocessados, em ambos os sexos. Na análise ajustada, foi observada uma relação inversa significativa entre o consumo de alimentos ultraprocessados e o IMC, a massa muscular e o percentual de massa magra, ou seja, o maior consumo de alimentos ultraprocessados resultou em menor IMC, menor massa muscular e menor percentual de massa magra. Uma das explicações para essa associação é o fato de o elevado consumo de alimentos ultraprocessados estar associado à menor ingestão de proteínas, carboidratos e fibras, e um maior consumo de calorias e lipídios.
Considerando que a adolescência é uma fase de crescimento e com elevadas necessidades nutricionais, este estudo sugere que o elevado consumo de alimentos ultraprocessados deve ser desencorajado para evitar doenças de ordens nutricionais, prejuízos ao crescimento e desenvolvimento de doenças crônicas não transmissíveis que podem se estender até a idade adulta.
Para acessar o documento na íntegra clique aqui.