Ultraprocessados e consumo de lanches

Desafios do cuidado às pessoas com obesidade na atenção primária em tempos de COVID-19
5 de março de 2024
Ferramentas para promoção e avaliação da alimentação adequada e saudável desenvolvidas no Brasil: uma revisão de escopo
26 de março de 2024

O hábito de consumir lanches é prevalente em vários países, com uma média de 70–94% dos indivíduos realizando pelo menos um lanche por dia. Estudos observacionais indicam uma associação entre o consumo de lanches e a ingestão excessiva de energia e o ganho de peso. O aumento global no consumo de lanches pode ser atribuído à disponibilidade e conveniência de alimentos ultraprocessados (AUP).  Tais alimentos são formulados industrialmente, passando por um alto grau de processamento e adicionados de substâncias alimentícias não comumente utilizadas em preparações culinárias, como corantes e adoçantes. Os AUP estão associados a dietas pouco saudáveis, aumento do risco de obesidade e diversas doenças crônicas, visto que a baixa saciedade destes alimentos pode influenciar o aumento da ingestão de energia e a baixa ingestão de nutrientes.

Neste contexto, foi conduzido um estudo com objetivo de descrever as tendências na ingestão de energia associada a realização de lanches, bem como avaliar a relação entre o consumo de AUP e a frequência do consumo de lanches em diferentes faixas etárias. A análise foi realizada em um ambiente de consumo alimentar em vida livre, utilizando uma amostra populacional de âmbito nacional.

Para tal, o estudo utilizou dados secundários de uma amostra nacional representativa de residentes com 10 anos ou mais, coletados pela Pesquisa Brasileira de Orçamentos Familiares (POF) 2017–2018 entre julho de 2017 e julho de 2018. Informações socioeconômicas e demográficas foram autorreferidas, e dados dietéticos foram coletados através de recordatórios alimentares de 24 horas.

Os participantes relataram os tipos de alimentos e bebidas consumidas, além da quantidade, método de cozimento e ocasiões de alimentação referente ao dia anterior. As informações foram registradas por entrevistadores treinados usando o método Multiple Pass 24h Recall, e o conteúdo calórico foi estimado utilizando a tabela de composição nutricional dos alimentos consumidos no Brasil (TBCA).

Refeições como café da manhã, almoço e jantar foram definidas como “refeições principais”, enquanto todas as outras ocasiões de consumo (ceia, outras ou não especificada e lanches) foram classificadas como “lanches”. O estudo excluiu ocasiões de alimentação com zero calorias, predominantemente compostas por ingestão de água. A frequência média diária de refeições principais e lanches foi calculada com base na média dos resultados do consumo de dois dias, se disponíveis, ou um dia, caso contrário.

A frequência de lanches, a participação dietética de salgadinhos e a prevalência de consumo de salgadinhos foram mais elevadas entre as mulheres, aumentando com a escolaridade, renda e participação de AUP na dieta. Por outro lado, a ingestão de energia foi maior entre homens, diminuindo com a idade e aumentando com a escolaridade, renda e participação em AUP. A frequência de lanches aumentou, enquanto a participação dietética de lanches diminuiu com a idade.

A análise das categorias de frequência de consumo de lanches mostrou que 18,7% não consumiam lanches, 41,6% relataram até um lanche por dia, 26,5% relataram entre um e dois lanches por dia, e 13,2% relataram mais de dois lanches por dia. A participação média de AUP na dieta aumentou com a frequência de lanches, variando de 15,8% para aqueles que não relataram o consumo de lanches para 24,9% para aqueles que relataram mais de dois lanches por dia.

Em síntese, os resultados indicam que a participação de AUP na dieta aumenta com a idade, sendo mais significativa entre adolescentes, seguidos por adultos e idosos. Além disso, análises ajustadas por características sociodemográficas demonstraram uma associação positiva entre o consumo de AUP e a frequência de lanches para todas as faixas etárias, com riscos relativos crescentes conforme o aumento do consumo de AUP. Essas conclusões fornecem insights sobre as associações entre hábitos alimentares, consumo de AUP e características demográficas.

Os achados sugerem que os atributos dos AUP podem favorecer o hábito de realizar lanches, que por sua vez está associado a uma maior ingestão de energia. A baixa saciedade dos AUP pode contribuir para o aumento da demanda por alimentos, enquanto a conveniência de alimentos prontos para o consumo pode favorecer o hábito de lanchar.

Segundo os autores, a associação entre consumo de AUP e a relaização de lanches de forma mais evidente entre os adolescentes se dá, provavelmente, devido à maior sensibilidade a estímulos alimentares orientados por recompensa, práticas alimentares insensatas e influência de estratégias de marketing direcionadas a esse grupo.

Dado o cenário atual, recomenda-se a implementação de políticas regulatórias, como a tributação e a rotulagem de alimentos, com intuito de orientar o público em direção a escolhas alimentares mais saudáveis. O estudo enfatiza a necessidade de compreender melhor os padrões de consumo de lanches como componente-chave da dieta individual e destaca a importância de abordagens para promover escolhas alimentares mais saudáveis, especialmente entre os jovens.

 

Compartilhar

Deixe uma resposta

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *